Os vereadores de Caruaru/PE, no apagar das luzes de 2013, analisaram projeto de Lei que aumentava os seus subsídios e de última hora foi incorporado ao projeto emenda que criava a gratificação de férias e 13º salário. Não nos ateremos, neste texto, a questão do aumento de subsídios, pois, já julgado pelo povo, vetado pelo prefeito e esse mesmo veto derrubado pelo legislativo caruaruense, de forma que a conveniência, oportunidade, proporcionalidade, impessoalidade e respeito aos demais princípios constitucionais ficam para julgamento pelo povo no próximo pleito (se houver memória do eleitor para tanto), já que o aumento findou sendo aprovado.
No entanto, não podemos nos furtar a analisar a questão da legalidade da criação dos institutos da gratificação de férias e 13º salário, pois, lembro que embora alguns queiram diferenciar “política” de “cidadania”, as duas palavras, significam uma em latim e outra em grego, exatamente a mesma coisa; cidadania vem do latim “civitas”, cidade, tal como cidadão, enquanto “política” provém dos vocábulos gregos “polis” que igualmente significa cidade, de forma que política e cidadania são irmãs gêmeas que implicam em designar aqueles que vivem em cidades e suas regras, portanto, o cumprimento das normas legais é dever de todos, tanto quanto a fiscalização.
Ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que agentes políticos “são os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, ou seja, ocupantes de cargos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado.” Enquadram-se na referida definição, no âmbito do Poder Executivo, a Presidência da República, Governadores, Prefeitos e os vices de cada um dos cargos, além de Ministros de Estado e Secretários de Estado e Municipais. No âmbito do Poder Legislativo, incluem-se os Senadores, Deputados Federais, Estaduais, Distritais e Vereadores.
Lembramos que os agentes políticos, no caso em análise os vereadores, desempenham funções de natureza política e não profissional, não possuindo vínculo empregatício ou estatutário com o ente público a que pertencem, diferentemente dos servidores públicos, pois a definição de “servidor público” como ensina o mesmo Celso Antônio Bandeira de Mello engloba todos aqueles que mantém com o Estado a entidade de sua Administração indireta ou fundacional relação de trabalho de natureza profissional e de caráter não eventual sob vínculo de dependência, estando submetido a regime jurídico de direito público (estatutário) ou privado (CLT), que também pode ser utilizado pelos poderes.
Então os “agentes administrativos” que mantém relação de trabalho têm direito a 13º Salário e Férias enquanto o “agente político”, detentores de mandatos eletivos, não fazem jus e isso por previsão da Constituição Federal, que expressamente diferenciou o político do servidor público; senão, vejamos, o art. 39 § 3º da Constituição Federal/1988 concedeu ao servidor público o direito ao décimo terceiro salário e ao adicional de férias, constantes do art. 7º, VIII e XVII, da Constituição/88;
Aos agentes políticos o art. 39§ 4º da Constituição Federal determinou que a remuneração fosse paga por “subsídio” em parcela única, vedado o recebimento de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, mesmo que se adote outro “apelido” para mesma.
Tal vedação impede o pagamento de gratificação natalina ou do adicional de férias aos agentes políticos, pois, eventual pagamento, não previsto pela Carta Magna, constituiria burla a norma constitucional que determina a parcela única. Fixar outra parcela, a qualquer título, como o décimo terceiro e adicional de férias aos agentes políticos (in casu, vereadores), representaria violação da regra de parcela única, no 13º Salário e fração extra referente ao abono de férias.
O raciocínio pode ser resumido assim: 13º Salário é direito trabalhista previsto no art. 7º da CF/88 e estendidos a servidores públicos por força dos art. 39, § 3º da Carta Magna. Portanto, fácil concluir que os agentes políticos, como não são servidores públicos, não fazem jus a tais vantagens. Já as férias em relação aos agentes políticos foi substituída pelo recesso parlamentar por força do art. 57 da CF/88 que é de repetição obrigatória na Constituição Estadual e Lei Orgânica Municipal. Importante lembrar que em relação aos agentes políticos do Executivo não há qualquer menção a férias ou recesso de funcionamento.
Assim, a Lei municipal de Caruaru/PE, que criou férias e décimo terceiro salário, é claramente inconstitucional, por ferir o art. 39 § 4º da Carta Maior, ficando o alerta ao Ministério Público e aos neófitos e veteranos vereadores que compõem a Casa José Carlos Florêncio, para que se em momento posterior, o Tribunal de Contas rejeitar as contas ou a Justiça declarar a inconstitucionalidade da Lei, não aleguem ignorância ou reclamem de terem de restituir valores aos cofres públicos.
Neste sentido vêm decidindo os nossos tribunais a começar pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade dos Processos nºs 70034244293 de 04/06/2012; nº 70038547097 de 29/11/2010; nº 70033461039 29/03/2010; nº 70032922551 de 16/08/2010; nº. 70022602841 de 07/04/2008 e ainda Proc. RMS 15.476 STJ, 5ª Turma, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgado em 16/03/2004; Adim nº 385-9/200, TJ/GO em 26/11/2008; Ação Popular nº 6604005800 TJ/SP em 08/09/2008;
O presente texto tem como fonte principal a Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados em http://bd.camara.gov.br in “Análise da Legalidade do Pagamento de 13º Salário e Adicional de Férias a Agentes Políticos”, de autoria da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados datada de Dezembro de 2009.
*Clóvis Santos é Advogado- OAB/PE 28-633-D e Pós-Graduado em Direito do Trabalho