A política em Caruaru, independente dos grupos que se revezam no poder local, apresenta traços do sistema de favor e de tutela, da apropriação dos espaços de poder pela dominação dos políticos tradicionais, cabos eleitorais e vereadores que comandam seus redutos eleitorais, e a partir deles ditam comportamentos, indicam gestores públicos que vão desde diretores de escolas, contratos temporários de trabalho, e instalam variadas formas de perseguição política aos que não comungam do seu corolário de interesses.
Ainda temos também, numa expressão mais recente, partidos políticos que se institucionalizam em secretarias de governo e as transformam em apêndices de tendências políticas específicas. Situação não específica de Caruaru, mas presente em muitas cidades do nosso país e constitui foco de importantes estudos que discutem o novo clientelismo no Brasil em sua história recente. Tais situações se encaixam em partidos mais a direita ou à esquerda, os discursos se diferenciam no conteúdo ideológico, mais no exercício do poder as práticas são semelhantes: da substituição do direito pelo privilégio, como podemos observar recentemente no Brasil, antes e depois do governo Lula.
Caruaru é uma cidade de extrema importância no desenvolvimento regional do Estado de Pernambuco, marcada por segregação sócio – espacial específica, onde centro e periferia apresentam imensas contradições. Ao longo de mais de 20 anos de militância na área de Direitos humanos só assistimos esse abismo aumentar. Militando mais ainda no âmbito penitenciário, conhecemos as agruras de jovens e suas famílias marcadas pela pobreza, pela baixa escolaridade, pela ausência de formação profissional, muitos desses jovens tiveram seu primeiro encontro com o Estado na prisão.
Nos caminhos em defesa dos direitos humanos na periferia, na prisão, nos direitos comunitários, na proteção animal não encontramos os grupos políticos que representam os partidos tradicionais, nos espaços de segregação e exclusão: sejam a direita ou a esquerda no envolvimento direto com as pautas de direitos humanos na cidade. Há uma distância imensa destes partidos com as pautas dos sujeitos de direitos que reivindicam vez e voz, mais recentemente podemos identificar algumas ações nas políticas voltadas para as mulheres, para a juventude e para os animais. Apesar de fragmentadas, mas tiveram importante papel, e pelo menos apontam para alguma luz no finalzinho do túnel.
Pastorais sociais, evangélicos, grupos espíritas, alguns movimentos sociais, artistas, clubes de serviços, protetores de animais e ambientalistas vem ocupando estes espaços e vem apoiando os grupos vulneráveis. Nesse sentido, a afirmação de direitos humanos passa em nossa cidade por uma nova percepção da realidade, passa pelo reconhecimento do papel desses atores sociais muitas vezes invisíveis e negligenciados pelo poder público, lembrados muitas vezes em períodos eleitorais, na busca de votos ou na delimitação de territórios ou redutos de poder.
Se tomarmos como exemplo o problema da segurança pública e da violência que tem sua escalada ampliada com a crise do pacto pela vida, perceberemos que a cidade tem a juventude pobre na principal condição, seja de vítima ou de algoz. Fenômeno que precisa ser analisado dentro dos problemas sociais que nos afetam, que necessitam ser discutidos como parte da cidade que apenas aparece nos programas policiais e nas estatísticas de prisões e homicídios. O crescimento da violência e da insegurança é sem dúvida o traço mais perverso desse espaço segregado e carente de nossa cidade. E que cuidar da cidade com responsabilidade social depende de ações articuladas de prevenção e repressão a crescente violência.
Ao mesmo tempo Caruaru pulsa em movimentos de cultura, cidadania, em grupos de resistência seja em expressões como música, poesia, esporte, cultura e lazer, no centro e na periferia, que necessitam ser enxergados como movimentos de resistência e de afirmação de novas identidades ou de aprofundamento das já existentes. Mas que passam invisíveis pelo poder público em seu papel de parceiro no enfrentamento da violência e da vulnerabilidade social, na medida em que os jovens são os principais protagonistas dessas cenas alternativas.
Algumas coisas podem explicar a desarticulação das ações de inclusão em nossa cidade: ausência de planejamento estratégico, escolha de gestores sem qualificação, ausência de criatividade ou imaginação sociológica, escolha de gestores baseada no critério político, no imediatismo ou na improvisação. Em experiências assim, se gasta de modo inadequado, ineficiente e os resultados ficam abaixo do esperado, não existindo instrumentos claros de monitoramento e avaliação das políticas públicas para reorientação dos gastos com cidadania e inclusão social. E o mais grave, desconsidera-se o papel desses sujeitos de direitos na cena política local.
Questões que envolvem inclusão social, luta contra a desigualdade, relações étnico raciais, dialogo inter-religioso, saúde, educação, numa gestão contemporânea, por serem de interesse público envolvem direitos humanos. E por envolver Direitos Humanos, precisam ser tratados de forma supra partidária, precisam está acima de interesses de pessoas e partidos políticos, de siglas e de modelos, para além das rixas medíocres da política local. Em um modelo político em que o ódio, a vingança, a perseguição política, a indicação política e desvalorização do mérito ainda pautam modelos de gestão, é impossível criar espaços para a afirmação dos direitos humanos, numa perspectiva que valorize e articule: Inteligência, bom senso e responsabilidade social.
Não podemos acompanhar qualitativamente nosso desenvolvimento regional, se não insistimos em criar maior horizontalidade entre a importância de indicadores econômicos e de desenvolvimento humano. Essa equação é um grande desafio para uma gestão moderna, antenada com as demandas sociais dos grupos que lutam por direitos, para além dos limites partidários, ideológicos, que vislumbram a possibilidade de novos olhares diante de velhos problemas.
Nossa preocupação como quem estuda a realidade em nosso cenário atual tem a seguinte problematização: Até que ponto nossos pré-candidatos (as) estão dispostos a enfrentar tais desafios? Em qual medida estarão dispostos a superar a condição de pastoril para entrar numa discussão programática os problemas da cidade? Ou ficaremos brincando de marionetes nos festivos lançamentos de suas candidaturas? Entraremos no século XXI, discutindo os dilemas da humanidade na perspectiva local e global ou continuaremos presos a uma troca de interesses pessoais que estimula a dependência e favorece a corrupção? Essa política velha e cansativa desestimula o voto de opinião e aposta no voto de permuta, nos mantém como gado preso em um curral sem saída, sem opção! Precisamos melhorar!!!!!!
Em 2016 assistiremos em nossa cidade um processo eleitoral pela primeira vez com a possibilidade de um segundo turno, que nessa nova experiência, possamos ver mais inteligência, menos arrogância e mais responsabilidade com os outros e com o mundo, o que segundo Hannah Aredt deveria ser uma das funções essenciais da política.
*Ana Maria de Barros, Cientista Política e Professora Universitária; Arnaldo Dantas, Analista Político e Professor Universitário; Perpétua Dantas, Cientista Política e Professora Universitária.