Por Jorge Lemos, para a Veja
Um dia a Polícia Federal faz buscas nas residências de um governador adversário do presidente da República, cumprindo mandados expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça. Exatas vinte quatro horas depois, a mesma Polícia Federal cumpre ordens de busca em desfavor de deputados federais e empresários apoiadores do presidente, em cumprimento a determinação do Supremo Tribunal Federal.
Por si só, essas duas ações da Polícia Federal já poderiam suscitar ao menos uma conclusão óbvia: a PF é um órgão de Estado, que não tem lado, que não se presta a atuar a favor nem contra ninguém, e cujas investigações se focam em fatos, não em pessoas.
Mas os políticos, dos dois lados, insistem na tese de que podem controlar a PF e, infelizmente, de que a PF pode ser controlada ou sofrer influência de seus adversários, quando esta age de forma contrária aos seus interesses.
Efetivamente não há Cristo que os faça entender a diferença entre órgão de governo e órgão de Estado. E não somente a Polícia Federal, como o Ministério Público, a Receita Federal, as Forças Armadas, o Itamaraty, etc.
Tanto os políticos, como a sociedade que já acompanha e se contamina com o deletério Fla x Flu ideológico em que foi transformado o cenário político brasileiro, parecem esquecer – de forma conveniente e seletiva – de que a Polícia Federal, durante cinco anos ininterruptos e consecutivos, investigou e atingiu com centenas (talvez milhares) de prisões e buscas, incontáveis empresários, parceiros, colaboradores e parlamentares que apoiavam o Governo Dilma Rousseff, durante os seus dois governos, pelos mesmos cinco anos.
E, como se não bastasse esse registro tão recente, que a mesma Polícia Federal, sob o Governo Temer, conduziu por dois anos, o lapso exato do mandato que este presidiu o país, inquéritos e ações policiais que não somente o fustigaram no poder, como o levaram à prisão quarenta dias após deixar o Planalto.
Para completar o festival de equívocos e de escorregadas, Bolsonaro disse hoje, referindo-se às operações que alvejaram o governador do Rio, que, enquanto ele for presidente, “vai ter mais”.
Essas declarações só servem para desinformar e contagiar a opinião pública e, também, para mostrar que o presidente definitivamente acredita que pode interferir na polícia judiciária da União. É difícil acreditar que depois de vinte e sete anos como deputado federal, uma pessoa ainda não saiba diferenciar Estado de governo.
Toda a reputação que a Polícia Federal conquistou, com o sacrifício de seus agentes e delegados, em décadas de trabalho e de amadurecimento profissional, corre o risco de ir para o ralo, por conta da desonestidade intelectual dos políticos e da irresponsabilidade das suas tropas de choque.
Por derradeiro, apesar de todo o desatino, a PF seguirá investigando e atuando, seja lá quem for o inquilino temporário do Palácio do Planalto, porque a Polícia Federal não é deste nem de nenhum outro governo. A Polícia Federal é do Brasil.
* Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov – Quando Corrupção e Governo se Misturam.