Artigo – Aqui se prendem pobres, pretos… e adolescentes – por Flávio Albuquerque*

Mário Flávio - 02.04.2015 às 08:25h

Hoje vi muitas pessoas, em redes sociais, comemorando a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 171/1993 pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que possibilita a redução da maioridade penal no Brasil. Muitas destas celebrações estavam carregadas de um sentimento de vingança contra o jovem infrator; bradava-se puro rancor. Felizmente há também aqueles que defendem que crime se combate com inserção social, não com encarceramento em massa.

O Direito Penal moderno não foi/é pensado para cumprir um papel meramente punitivo. Faz mais de 200 anos que as penas retributivas são questionadas por juristas, filósofos, e uma gama de pensadores. No contexto do advento do Iluminismo, ainda no século XVIII, a prisão ganhou um status de instrumento de recuperação do criminoso, e o trabalho penal era visto como a principal forma de se alcançar este objetivo. Mas, para muitos, a punição ainda deve atuar como vingança, pública ou privada, contra um indivíduo considerado irrecuperável, que deveria ser extirpado do convívio social.

A prisão deve, sim, ressocializar, reeducar, possibilitar que o desviante pague pelo seu crime de forma educativa. Isso não é privilégio, nem está na mera ordem do discurso. Está previsto na Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal.

Engana-se quem pensa que no Brasil os jovens são impunes frente à atual legislação; ao contrário, são previstas medidas socioeducativas para o jovem infrator. O Estatuto da Criança e do Adolescente não prega a proteção irresponsável de infratores, mas leva à criação de mecanismos punitivos que sejam educativos e, sobretudo, que respeitem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Se de fato aprovada, a redução da maioridade penal vai apenas superlotar ainda mais o sistema carcerário brasileiro. É uma medida que ataca o mal no seu efeito, não na sua causa. Para o Estado parece mais cômodo encarcerar jovens do que investir em educação e políticas públicas de inserção social. Isso sim pode diminuir os índices de criminalidade. Se encarceramento resolvesse o problema da criminalidade, o Brasil seria um paraíso, já que temos uma das maiores populações carcerárias do mundo.

PSDB, DEM, PSD são exemplos de partidos que votaram a favor da PEC; PT e PCdoB se opuseram. Este não é um dado irrelevante, mas expõe que o tema em tela faz parte da agenda dos grupos políticos mais conservadores, retrógrados e demofóbicos do país. Sabemos que os alvos dessa investida não são os filhos das classes média e alta, mas os meninos e meninas pobres, negros, suburbanos, com pouco estudo, que são policiados apenas por sua condição de vulnerabilidade social. Foucault tinha toda razão ao falar que a pena de prisão moderna emergiu permeada pelo discurso da reabilitação, mas, na prática, serviu apenas para evidenciar a seletividade do sistema penal e o trato diferenciado da criminalidade.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. Mas, aprovada ou não esta PEC, continuarei na trincheira dos que defendem que lugar de adolescente é na escola, não na masmorra.

*Flavio Albuquerque Neto, doutor em História; professor e pesquisador do IFPE-campus Caruaru. Texto postado no Blog Caruaru Vermelho