Sou da turma que acredita que a coerência ideológica é um diferencial político, raro e de alto valor. Ou seja, em primeiro lugar, acredito na política como a arte de defender ideias em conjunto com outras pessoas que acreditem em ideias semelhantes. Tenho, por isso, uma imensa dificuldade em entender o que move políticos que mudam de lado ao sabor dos ventos eleitorais, defendendo numa eleição um conjunto de ideias opostas ao que defendeu em outra. Evidente que a fragmentação partidária e o esvaziamento ideológico do sistema político brasileiro contribuem para essa dança das cadeiras que assistimos a cada eleição.
De toda forma, acredito que essa é um excelente tema para que o eleitorado reflita no outubro que se aproxima. Candidatos/as que a cada eleição aparecem travestidos de uma cor diferente demonstram não ter firmeza ideológica, ou seja, podem mudar de opinião de acordo com seus interesses imediatos. Assim, tudo que prometem na eleição tem um valor duvidoso, pois basta aparecer alguma vantagem que podem ceder. É o que geralmente acontece quando vereadores que prometem “representar um bairro” acabam apoiando o aumento das passagens de ônibus que prejudicam a população daquele bairro. Sem ideologia, sem lado, sem posição, acaba vencendo quem grita mais forte, ou, no pior dos casos, paga mais.
É por isso que tenho orgulho de manter minha filiação partidária, desde quando a lei me permite, junto ao Partido dos Trabalhadores. E nisso já se vão quase 15 anos, dos meus joviais 33. Não é que eu concorde com todas as práticas do PT, como é sabido em Caruaru, sou oposicionista do comando partidário na cidade e no país. Mas o que me mantém no PT é um conjunto de princípios ideológicos que o diferenciam na política: a prioridade pela classe trabalhadora e sua inclusão política; a defesa dos direitos humanos e da plena igualdade social; a compreensão de que o mundo é um lugar injusto para a maioria por uma opção política egoísta da minoria; enfim, paradigmas, visões de sociedade, que diferenciam a existência de um partido político de conglomerados eleitorais. Isso tem tudo a ver com o eleitor, pois quando vota em quem se junta com outros apenas por interesses eleitorais, tende a escolher alguém que fará do mandato apenas uma luta para reeleição, e não para as transformações que a sociedade requer.
Semana passada, Caruaru foi palco de um intenso debate sobre a coerência política do Prefeito José Queiroz, que subiu no palanque do ato com o ex-Presidente Lula. Fico feliz que a cidade passe a reivindicar mais coerência de seus principais líderes. Infelizmente, não tem sido a tradição de nosso eleitorado, mais ligado a pessoas que a ideias. O que me surpreendeu, em primeiro lugar, foi que boa parte das críticas veio justamente de pessoas que não sustentam essa firmeza ideológica, mudando de partido ao sabor das eleições; ou, mesmo, de gente que até recentemente se comportava como anti-petista, com duras críticas ao próprio Lula e a Dilma. Evidente que o fato das pessoas serem incoerentes não justifica a incoerência de um representante político. Mas faço o alerta porque a coerência, antes de ser invocada, precisa ser praticada.
Especificamente sobre Queiroz, fico muito à vontade para opinar, pois poucos como nosso coletivo, o MAIS-PT, sofreram tanto com o apoio que o Prefeito deu a Aécio no segundo turno de 2014.
Particularmente, eu, que era Secretária Municipal na época, junto com a companheira Elba Ravane, entregamos nossos cargos quando dessa decisão. Em que pese tal equívoco, dentre as principais lideranças políticas da cidade, José e Wolney Queiroz podem ser considerados os mais coerentes ideologicamente: a vida inteira em um único partido, o PDT; apoiaram Lula em TODAS suas eleições, as vitoriosas e as derrotadas; tendo Wolney um voto corajoso contra o impeachment de Dilma, mesmo após sua aprovação já consagrada na Câmara dos Deputados.
O apoio a Aécio aparece como um ponto fora da curva, uma incoerência em sua trajetória, mas compreensível diante da catarse emocional que tomou conta de Pernambuco quando do trágico falecimento de Eduardo Campos. Décadas de um mesmo lado e um único apoio tímido ao outro, diante de uma extraordinária comoção, retiram a credibilidade política de Queiroz e Wolney? Não é o que parece nem a mim, nem ao PT, nem a Lula e Dilma. Logo após o resultado das eleições, o Senador Humberto Costa veio à cidade reatar laços com o Prefeito e, desde sempre, Wolney tem sido um fiel aliado na Câmara dos Deputados, ainda mais durante esse duro golpe que deixa bem claro qual o lado da esquerda democrática e qual o lado da direita golpista.
Por esse motivo, o MAIS segue compondo a Prefeitura Municipal, onde implementa políticas com a marca do PT e da esquerda: participação social; igualdade de gênero, racial e sexual; e um conjunto de ações que jamais seriam autorizadas em um governo conservador. Longe de concordamos com todas as medidas do governo, mas conseguimos entender a complexidade da política e que não se pode tudo que se quer. As conquistas sociais são feitas na luta permanente, no governo e principalmente fora dele. Até mesmo os setores do PT local que criticavam essa aliança, agora entendem que em um cenário polarizado com a direita permanente (Tony Gel) e a direita vacilante (Lyra), há muito mais em comum com os que caminham conosco há tantas décadas, mesmo que não se concorde com tudo e em algumas situações se discorde bastante.
O que mais me intriga é: se apesar das diferenças, o próprio PT e Lula compreenderam e reataram a aliança, porque há não-petistas mais ofendidos que nós pelo apoio de 2014? Sei que há os que o fazem por uma justa indignação, respondida nas urnas com o apoio de 70% dos/as caruaruenses a Dilma, mesmo contra a posição de todas as lideranças tradicionais. A esses/as companheiras/os, deixo minha solidariedade e a reflexão de que precisamos trazer para o lado da democracia o máximo que pudermos e não afastar quem demonstra estar conosco nessa dura quadra política. Mas, para os que utilizam essa situação para promover seu jogo eleitoral, a pergunta é simples: porque não vemos a mesma cobrança à incoerência explícita e persistente de outros grupos, como os Lyra que já foram até do PT de Lula e agora estão no PSDB de FHC (depois de passar por PPS, PDT e PSB!).
Aliás, esse problema que vemos na cidade não é exclusivo dos grandes partidos. O que dizer de uma coleção de pequenas siglas organizadas apenas por contas matemáticas, para tentar eleger vereadores sem qualquer firmeza ideológica? Ou mesmo da valorosa pequena esquerda, como o PSOL, que em Caruaru é dirigido por lideranças que já passaram por quase todos os partidos da cidade (até pela direita comandada por Tony Gel, ex-PFL/DEM e agora PMDB!). Mais triste ainda: figuras que disputaram conosco o comando interno do PT e agora apoiam o PSDB, o maior oposto ideológico à política social petista!
Toda essa fragmentação e incoerência é grande obstáculo à consolidação de uma frente partidária orgânica da esquerda na cidade. Nos próximos anos, é nosso dever priorizá-la, mas para isso é preciso superar falsas polêmicas e construir um modelo desvinculado de lideranças individuais, oxigenado pelos movimentos sociais, feministas, campesinos, estudantis, raciais, culturais e cibernéticos que se multiplicam na Caruaru do século XXI.
Sou uma ferrenha crítica da oscilação ideológica. Ter lado é um diferencial raro na política do qual me orgulho. Espero profundamente que essa pauta surja nas eleições e na vida da cidade com consistência no próximo período. Só uma clareza ideológica permitirá abrir um novo ciclo político em Caruaru, no qual as ideias coletivas valham mais que os interesses pessoais, e, aí, quem sabe, seja possível sustentar candidaturas mais radicalizadas ideologicamente. Só não é possível fazer um debate sério desse com o oportunismo que escolhe alvos de acordo com seus próprios interesses, puramente eleitorais, que levam justamente à ampliação do vazio ideológico.
Debater ideias sem estar sustentado por elas é mais pragmático e incoerente quanto o que se denuncia. Um novo modelo político requer, acima de tudo, uma sociedade consciente e participativa. Vamos de mãos dadas com quem estiver disposto a abrir caminhos para essa renovação.
*Louise Caroline, 33, é caruaruense e cientista política.