As duas CPIs aprovadas na reunião da Câmara de Caruaru nesta quinta (10) chamam atenção não só por se referirem a dois indícios de irregularidades durante a gestão do ex-prefeito Tony Gel (PMDB), mas também porque se referem novamente, direta ou indiretamente, ao relatório da Controladoria-Geral da União feito em 2011, em que se apontava mau uso de recursos federais pela prefeitura de Caruaru entre 2004 e 2011, e a outro relatório, de 2006. Na verdade, o mais curioso é que são duas CPIs aprovadas após a derrota de requerimento que pedia uma outra, de autoria de Evandro Silva (PMDB), para apurar as irregularidades apontadas justamente nesse relatório.
Confira o relatório da CGU feito em 2011 em Caruaru
Esse pedido foi reprovado, sem ter maioria de 2 terços. Apesar de ter alguns votos de vereadores da situação, a maioria justificou que não era necessário investigar algo que deveria ser de competência do Ministério Público.
Depois disso, a oposição entrou com mandado de segurança para anular a votação dessa CPI, alegando que a Lei Orgânica Municipal – maior que o Regimento Interno da Câmara – prevê que Comissões de Inquérito, que possuem caráter especial e temporário, podem ser criadas mediante requerimento de um terço de seus membros, 8 vereadores, sem votação no plenário, o que segundo o presidente Leonardo Chaves (PSD), vai na contramão do regimento, que determina a votação em plenário de requerimentos de comissões temporárias de inquérito. Com essas informações em mãos, a base do governo foi preparada, pois ao ter maioria nos votos, destacou no início dos dois requerimentos que estava unindo elementos da Lei Orgânica e do Regimento Interno sobre a criação de comissões.
Certo, e o que isso tem a ver com as duas CPIs aprovadas? Uma, de autoria do vereador Gilberto de Dora (PSB), deve investigar se houve prejuízo financeiro no financiamento da construção não executada de 150 casas populares no bairro Cedro, no ano de 2002. A obra relativa a esse projeto foi paralisada em 2007, após apenas 13% da construção ser realizada. A CGU questionou então por que não houve devolução do dinheiro liberado pela Caixa para a obra, algo que a prefeitura, já na gestão Zé Queiroz (PDT), não soube explicar, apesar de mostrar que o dinheiro estava depositado em conta. Depois a conclusão dessas casas foi integrada a outro projeto: o Loteamento Demóstenes Veras.
Já o outro requerimento, de autoria do vereador Zé Ailton, deve apurar denúncia apontada em ação de improbidade administrativa, pelo Ministério Público Federal, em desfavor do ex-prefeito Tony Gel. Na justificativa, o pedido se baseia em uma denúncia que indica indício de conluio, fraude e execução direta, referente a aplicação de R$ 878.559,98 do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) custeado pelo FNDE. E nesse caso, o MPF tomou como base justamente o relatório da Controladoria-Geral da União, de 2006, que apontou irregularidades no custeio do Transporte Escolar.
Ou seja, nos dois tópicos pautados pelos vereadores da base do governo, constam questões que voltam a cutucar a ferida das irregularidades expostas pela CGU, mas de um ângulo mais confortável para a situação, já que se refere especificamente a gestão administrativa anterior a do atual prefeito Zé Queiroz (PDT), que apontou prejuízo de 17 milhões de reais e as falhas relativas ao governo dele como erros formais que foram respondidos pela Controladoria Municipal. Isso quando a própria CGU rebateu cada ponto respondido pela prefeitura no relatório, indicando ainda a dificuldade de gerir com eficiência recursos federais. É o pensamento do vereador Louro do Juá (DEM): “Por que então não aprovaram a outra CPI, que iria investigar as irregularidades do relatório? Nós vamos lutar para derrubar essas duas CPIs, pois se trata de um absurdo nesta Casa”.
Isso aliado ao fato de que o MPF havia entrado com três processos relativos ao relatório da CGU, um deles sobre a construção das 150 casas populares, que foi arquivado por falta de provas, já que as habitações foram entregues depois. Os outros dois faziam referência a uso de verbas do Ministério da Educação, um deles foi citado na CPI pedida por Zé Ailton.
Diante desse contexto, os vereadores da base do governo consideraram inútil colocar o relatório inteiro da CGU para investigação parlamentar, mas avaliaram justa a apuração nesses dois pontos específicos, também referentes a relatórios da CGU. Essa foi uma posição contraditória, ou melhor, conveniente, algo que talvez também se esperasse da oposição, que tentou concentrar o tempo todo o foco do relatório as irregularidades da gestão Queiroz. E nesse ponto, depois de um mês de discussões entre vereadores no plenário, evidencia-se uma realidade em que os blocos de oposição e situação discutem instauração de inquéritos a partir de conveniências políticas, numa briga para apontar qual gestão é pior.
O pedido reprovado de Evandro Silva foi uma estratégia da oposição fazendo o que dela se espera, mas não deixaria de englobar todos os tópicos do relatório, fossem da atual gestão, ou a do ex-prefeito Tony Gel. Mas, pelo temor da bancada de governo de ser derrotada pela oposição, o requerimento foi derrubado. Dessa forma, a aprovação das novas CPIs passa a impressão de manobra contra a oposição, já que desde a legislatura anterior sequer esses assuntos haviam ganhado o interesse de vereadores de um bloco, ou de outro. A exceção poderia ficar para Gilberto de Dora, cujo o último mandato foi durante a gestão de Tony Gel. “Na época desse escândalo, eu tentei investigar, mas como minha bancada era minoria, não conseguimos. Agora que tenho uma nova oportunidade, resolvi entrar com o requerimento”, justificou.
Contudo, o furo na estratégia dos vereadores é que eles não demonstram que querem ir em busca de uma melhor aplicação de recursos no município, ou da correção de falhas administrativas. Eles estão, mais uma vez, valendo-se de recursos do Legislativo para atender a interesses políticos restritos de grupos que se antagonizam no município.