Do Blog de Jamildo
Nesta quinta-feira, o Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) anuncia que, em 23 de abril, protocolou uma representação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), pedindo a instauração urgente de uma auditoria especial na Prefeitura do Recife, para apurar contratos assinados da compra de 500 respiradores médicos para a covid-19.
A Prefeitura do Recife rebateu a denúncia e disse em nota oficial que não há fundamento. A PCR reclama de não ter sido notificada, mas garante que a empresa pode vender equipamentos médicos.
As aquisições foram feitas diretamente com uma microempresária do interior de São Paulo, na cidade de Paulínia, que tem um CNPJ como revendedora varejista de produtos veterinários (pet shop) e colchões.
Segundo a representação do MPCO, constam empenhos de R$ 22 milhões de reais para a empresa JUVANETE BARRETO FREIRE 57432449791, no Portal da Transparência do Recife, bem como três contratos já assinados, de 200 respiradores, 100 respiradores e 200 respiradores, totalizando 500 unidades.
O valor total dos três contratos já assinados com a Prefeitura é de R$ 11.550.000,00 (onze milhões quinhentos e cinqüenta mil reais), segundo o MPCO.
De acordo com os dados apurados pelo órgão, a microempresária recebeu em sua conta-corrente uma transferência de R$ 1.075.000,00 (um milhão e setenta e cinco mil reais) pela primeira leva de respiradores. Segundo o MPCO. Os recursos saíram da conta do Sistema Único de Saúde (SUS) do Fundo de Saúde do Recife, em TED bancário em 1° de abril de 2020, segundo cópia obtida pelo MPCO.
A representação do MPCO aponta mais 20 irregularidades supostamente graves na compra sem licitação.
Inicialmente, o órgão destaca a suposta incapacidade da empresa de realizar uma venda de uma quantidade tão expressiva de respiradores, por ser uma micro empresária individual, sem qualquer experiência anterior na venda de equipamentos médicos.
“A empresa é tão pequena e precária, que, na hora de cadastrar o nome, ela colocou no nome da empresa o número do seu CPF pessoa física. O nome oficial da empresa é JUVANETE BARRETO FREIRE 57432449791, assim mesmo, com este número enorme. Em 14 anos como procurador, nunca vi uma licitação com esta configuração de nome empresarial”, explica o procurador Cristiano Pimentel, que acompanha a investigação.
Segundo o MPCO, a empresária Juvanete Barreto Freire foi representada, na assinatura dos três contratos com a Prefeitura, por um empresário do Recife, também do ramo de pet shops, como Juvanete.
Segundo apuração preliminar do MPCO, este empresário, que assinou os contratos como procurador, seria cunhado de um comissionado do Governo do Estado, que já teria, segundo o MPCO, sido mencionado em irregularidades junto com a empresa Casa de Farinha, em processo que tramitou no TCE.
Capital social pequeno e pouco tempo de mercado
A empresa foi aberta apenas em outubro de 2019, há menos de seis meses, segundo o MPCO.
Ainda, a representação aponta que, no cadastro da Receita Federal, a empresa tem um limite de faturamento anual de apenas R$ 81 mil (oitenta e um mil reais). A empresa, em ofício para o MPCO, admitiu que seu cadastro na Receita Federal estava irregular, quando assinou os contratos com a Prefeitura do Recife.
Segundo a empresa, a mesma está tentando mudar seu registro na Junta Comercial de São Paulo.
“Sua natureza jurídica, cujo código é 213-5, é de Micro Empresário Individual – MEI, conforme tabela descritiva que integra a Instrução Normativa RFB 1.097 de 13/12/2010. O § 1º do art. 18-A da Lei Complementar 123/2006 estabelece como limite máximo anual da receita bruta para o MEI o faturamento de R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais)”, aponta o MPCO.
O MPCO diz que a empresa está irregular, pois perdeu o prazo (em 30 de abril) para comunicar à Receita Federal que se desenquadrou como microempresária, após receber R$ 1 milhão da conta do Fundo de Saúde do Recife.
Outra suposta irregularidade apontada pelo MPCO é o “capital social irrisório” da empresa.
Segundo registro na Receita Federal e Junta Comercial de São Paulo, constante na representação do MPCO, o capital social da empresa é de apenas R$ 50 mil (cinquenta mil reais).
“Absolutamente incompatível a Prefeitura do Recife celebrar contratos de R$ 11 milhões com uma empresa de capital social de apenas R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais)”, diz o MPCO, na representação.
Outro ponto do MPCO é que, na Receita Federal e na Junta Comercial, a empresa só está habilitada para “comércio varejista de artigos de colchoaria”.
O MPCO aponta que, assim, a empresa não poderia vender “no atacado” 500 respiradores de uma vez para a Prefeitura, pois são produtos médicos que a empresa não teria cadastro para venda.
O MPCO aponta que a empresa “tem alguma irregularidade na Receita Federal”.
O MPCO entrou em contato com a Receita e verificou que o órgão federal não está mais expedindo certidão negativa para a empresa Juvanete Barreto Freire. O motivo, segundo o MPCO, está protegido por sigilo fiscal.
“A única certidão que a empresa tem, para contratar com a Prefeitura é a que obteve na data de sua abertura, que já está com a validade vencida desde abril, apesar da validade ter a validade prorrogada por recente medida provisória do Governo Federal para todas as empresas, devido à pandemia”, segundo o MPCO.
Apenas representante de outras empresas
Outro ponto destacado pelo MPCO é que a empresária Juvanete Barreto Freire já respondeu a processos na Justiça, por dívidas e inadimplências, inclusive execuções judiciais.
Segundo documento anexo à representação, em 2015, a Justiça Federal de São Paulo declarou por edital a empresária Juvanete Barreto Freire em “lugar incerto e não sabido” por não conseguir localizar a empresária para cobrar débitos.
Após a Prefeitura e a empresa terem ciência da investigação do MPCO, a empresa enviou um ofício ao MPCO dizendo que não estava vendendo os respiradores, mas era apenas representante empresarial de outras duas empresas, também do interior de São Paulo.
A justificativa não foi aceita pelo MPCO. Segundo órgão, em “nenhuma das centenas de páginas das duas dispensas emergenciais da Prefeitura, nem nos três contratos, há qualquer menção de Juvanete estar atuando como representante”.
Para o MPCO, se a microempresária for representante da empresa há ilegalidade, pois a microempresária não está cadastrada como representante empresarial, como exige a Lei Federal 4.886/65.
Fábrica em situação precária
A apuração preliminar do MPCO também descobriu, segundo o órgão, que as duas empresas que a empresária diz representar também não têm qualquer experiência anterior à pandemia, na venda de respiradores médicos.
De acordo com o MPCO, as duas empresas citadas pela microempresária só recentemente colocaram anúncios no site “Mercado Livre” mas sem realizar nenhuma venda.
Com os pedidos de informação, a microempresária enviou fotos ao MPCO, da fábrica. O procurador do MPCO diz ter ficado preocupado com a confiabilidade dos respiradores, pois as instalações, segundo o MPCO, seriam “visivelmente precárias”. As fotos da “fábrica” estão na representação do MPCO.
“Com o devido respeito, vê-se o caráter precário, quase artesanal da fábrica dos 500 respiradores contratados. Com o redobrado respeito, fábricas de alegados trabalho escravo do sudeste asiático parecem ter condições melhores de produção que destes “sofisticados” equipamentos médicos da empresa”, diz o MPCO, na representação.
Outra irregularidade, apontada pelo MPCO, é que a empresa não teria sede-própria.
Segundo registro na Junta Comercial, o endereço da microempresária seria “apenas para correspondência”. A foto do endereço da empresa é, segundo o MPCO, uma “humilde residência particular, no interior de São Paulo, na cidade de Paulínia”.
Outro lado
A PCR informou, inicialmente por telefone, que não foi notificada, mas garante que as denúncias não tem fundamento. A PCR informou que a empresa apresentou certidões negativas em nivel federal, estadual e municipal e demonstrou que podia fazer a venda dos equipamentos médicos. Uma nota oficial deve expor os argumentos.
Veja a nota de esclarecimento da PCR, com documentos anexos
“A Prefeitura do Recife informa que a compra dos respiradores, itens essenciais para salvar vidas no tratamento de casos graves de covid-19, foi feita dentro da legalidade, como todos os procedimentos realizados pela gestão municipal”.
“A Prefeitura não foi notificada dessa representação do procurador Cristiano Paixão e tomou conhecimento de seu teor pelo Blog de Jamildo, o que causa certa estranheza se o objetivo do procurador é fazer a devida apuração ou o interesse maior é pela divulgação da denúncia, antes mesmo da Prefeitura ser notificada para fazer os esclarecimentos”.
“As dispensas mencionadas, assim como as outras feitas para atender à pandemia, foram encaminhadas ao Tribunal de Contas em abril por uma iniciativa da própria Prefeitura”.
Desta forma, esclarece que:
“Com a decretação da pandemia, iniciou de forma imediata a construção de hospitais de campanha para gerar mais de 1000 leitos hospitalares. Sete estruturas já ficaram prontas e realizaram mais de sete mil atendimentos, mais de duas mil internações, chegando a mais de 700 altas, incluindo muitas de pacientes que foram internados em UTI. Todos esses números são de leitos criados pela Prefeitura do Recife para a pandemia”.
“Não existe superfaturamento, visto que todos os respiradores foram comprados a preços consideravelmente abaixo dos que têm sido negociados Brasil afora durante a pandemia e noticiado pela imprensa (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/04/em-nova-compra-bahia-paga-mais-por-respirador-chines-e-tenta-evitar-rota-pelos-eua.shtml) e pelo próprio Ministério da Saúde (https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46725-ministerio-da-saude-adquire-mais-4-3-mil-respiradores-pulmonares). As compras do Recife foram por R$ 21,5 mil e R$ 25,5 mil, enquanto, segundo as reportagens, o Ministério comprou por R$ 60 mil e o Governo da Bahia por R$ 160 mil.”
“Como procedimento para somar esforços com o Tribunal de Contas do Estado, que tem atuado de maneira proativa para atendimento às demandas da pandemia, a Prefeitura do Recife está realizando discussões constantes com o órgão de controle e todos os processos de dispensas de licitação estão sendo encaminhados para o TCE (90 já foram encaminhados). As dispensas relativas à empresa JUVANETE BARRETO FREIRE foram enviadas no dia 23 de abril, através do ofício nº 311/2020 – GAB/SS.”
“O art. 31, § 2º, da Lei Federal 8.666/93 trata da habilitação de empresas em licitações públicas, estabelecendo que a administração poderá fazer exigências de capital mínimo para compras com entrega futura ou execução de obras e serviços. A compra realizada em questão é para entrega imediata (e não futura) e sua fundamentação legal é baseada na Lei Federal 13.979/2020, que dispõe sobre as compras e licitações voltadas para o atendimento à pandemia”
“De acordo com documento em anexo (Doc 1), a empresa JUVANETE BARRETO FREIRE foi constituída em outubro de 2019 para auxílio e suporte nas vendas das indústrias Bioex Equipamentos Médicos e Odontológicos e BRMD Produtos Cirúrgicos. O mesmo documento informa que em fevereiro de 2020 foi solicitada a alteração do tipo empresarial na Junta Comercial do Estado de São Paulo, procedimento que está suspenso pela paralisação do órgão devido à pandemia”