Opinião – A Carta do Silêncio nas Cidades – por Marcelo Rodrigues*

Mário Flávio - 19.05.2020 às 09:32h

É público e notório, que o cotidiano de morar, trabalhar e viver nas cidades não é uma das incumbências mais fáceis, onde a terceira forma de maior poluição é o abuso do ruído oriundo de vários contextos do nosso dia a dia, e que afeta diretamente a sadia qualidade vida e o sossego das pessoas. É nesse contexto que locais silenciosos em cidades de médio e grande porte são cada vez mais raros.

Na verdade, o excesso de automóveis de todos os modelos e motos (aqui em Caruaru existe a “modinha” de motocicletas barulhentas, ora com escapamento modificado, ou furam ou retiram o miolo do silenciador do escapamento – ampliando o barulho assombrosamente. E como é sabido, é o escapamento o responsável/causador por regular e soltar os gases pelo motor, sua troca/retirada pode fazer com que a emissão de fumaça pela moto seja maior, poluindo ainda mais a cidade), os sons cada vez mais potentes; os ruídos advindos da construção civil; a cultura da ignorância das pessoas onde todo mundo ouve mais alto, e em compensação fala mais alto, ou vice versa; a ausência da aplicação da lei pelos gestores, e em todos os seus seguimentos de poluição sonora, gera um problema de saúde pública, porque todos são atingidos, não importa a classe social, além de ser uma questão de controle e fiscalização pública, é também de educação.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 10% da população do mundo está sujeita a constante níveis da ameaça sonora que podem acarretar a perda de audição, dessa forma, 30% estão relacionados aos ruídos das cidades, assim a audição é afetada diretamente pelos ruídos. Importante lembrar, que o excesso dos ruídos de forma excessiva, acima de 55 dBA, leva-nos a sermos acometidos de mudanças de humor ou de doenças como: dores de cabeça, stress; insônia; irritabilidade; pressão alta; problemas cardiovasculares e nas cordas vocais, e até a perda da audição, interferindo diretamente no funcionamento do organismo e na qualidade de vida.

O destaque para essa luta contra o ruído, aconteceu há mais de 20 anos, e foi denominada do Dia Internacional da Conscientização sobre Ruído, nos Estados Unidos, teve e tem o foco de propagar mundialmente a conscientização, no gesto simbólico de ficar 60 segundos em silêncio, com o propósito de atestar o impacto do barulho na nossa vida cotidiana.

No entanto, na União Europeia, partiu na frente e obrigou as cidades onde o grupo populacional passasse de 200 mil habitantes a necessidade das “cartas acústicas”, ou as chamados de mapas de ruídos (barulho ou zoada em nossa linguagem). Assim, foi estabelecido um prazo de 5 (cinco) anos para a construção delas, e posteriormente mais 5(cinco) para concretizar os apontados mapas de ações indispensáveis para reparar transtornos e preservar a tranquilidade de espaços reputados como “ilhas” de silêncio.

A nossa primeira experiência de forma concreta no âmbito da Carta do Silêncio e/ou Carta Acústica aconteceu na cidade de Fortaleza, dando o primeiro passo enquanto ferramenta de planejamento urbano, com o propósito de aprimorar e dar qualidade de vida as pessoas e a própria cidade. Na verdade, a Carta Acústica é um pesquisa dos indicadores do ambiente sonoro sentido no meio urbano, como foco para estabelecer procedimentos de controle e redução da poluição sonora em todos os seus seguimentos, e que auxilia como um norte para determinar os limites da lei, oferecendo um gigantesco contributo para o desenvolvimento sustentável rumo a melhoria da sadia qualidade de vida da sociedade em todos os seguimentos.

As Cartas de Ruído  reconhecem a classificação espacial dos barulhos e dos lançamentos das origens sonoras mais importantes nos ambientes em toda a região de um Município como por exemplo: Ruído do trânsito rodoviário, ruído ferroviário; ruído aéreo; ruído industrial; ruído comercial; ruído de locais de entretenimento; ruído em escolas; ruídos residenciais, enfim, em todas as atividades que sejam capazes afetar na boa e qualificada paz de cada dia dos cidadãos e cidadãs, servem, consequentemente, como experimentos para se chegar ao mapeamento de todos os ruídos e como eles devem ser combatidos pelas gestões municipais.

É relevante que as informações consignadas nas aludidas Cartas de Ruído sirvam para a inclusão da informação acústica ao Plano Diretor Municipal, e daí possam enquadrar nesses mapas as possíveis políticas públicas no enfrentamento do ruído que se apresenta como um dos maiores males a serem confrontados pelos gestores que têm compromisso com a saúde da população.

No caso vertente, as Cartas de Ruído devem ter o propósito de definir quais as táticas de ação ou, mesmo, sobre quais políticas legislativas seria ou será possível para redução da poluição sonora, com a consequente melhoria da qualidade de vida da população no âmbito da saúde e do bem estar das pessoas, com o fito de gerir avanços no contexto de políticas pública ambientais para as presentes e futuras gerações.

Fica o exemplo de Fortaleza para as demais cidades do Brasil, e que deve servir para os demais gestores que tenham o compromisso com cidades democráticas e sustentáveis, onde o desenvolvimento, e não o crescimento seja contemplado em respeito às pessoas, com mais educação, fomentando a cultura da paz no intuito de respeitar o individual e coletivo para uma melhor qualidade de vida e diminuir os impactos provenientes de atividades humanas que geram o desconforto, e deixar claro que a poluição sonora é a terceira maior forma de poluição, ficando atrás apenas das poluições que envolvem a água e o ar, e é a que mais agridem o homem, e nessa pisada que os governantes devem combater esse malefício que surge com o desenvolvimento dos centros urbanos.

*Marcelo Rodrigues, é advogado militante, professor, mestre e doutorando em Direito Público pela Universidade Lusíada de Lisboa, e Pré Candidato pelo PT – Partido dos Trabalhadores.