Segundo o jornal O Cearense, a primeira vítima de cólera, no Crato, foi uma mulher, a 30 de abril de 1862. Na edição do dia 31 de julho daquele fatídico ano, o jornal anunciava 1.100 mortos na maior cidade do cariri cearense em apenas três meses!
No Brasil todo foram mais de 200 mil mortes ocasionais pelo vibrião colérico, que flagelou o mundo no período de 1846 a 1866. Essa pandemia começou na Índia, alastrou-se pela Europa e cruzou o oceano Atlantico, chegando à província do Grão-Pará e infestando finalmente o país.
Pois bem. A cidade pernambucana de Exu, separada do Crato somente pela Chapada do Araripe, estava aterrorizada com as mortes casadas pela peste na cidade vizinha. O líder político Gualter Martiniano de Alencar Araripe, futuro Barão de Exu e sobrinho da heroína Bárbara de Alencar, como então delegado na Vila de Exu, tomou duas providências:
1) postou homens armados nas estradas entre Crato e Exu para impedir qualquer comunicação com a zona flagelada; e 2) intercedeu a seu santo protetor, São João Batista: “Meu glorioso São João Batista! Concedei-nos a graça dessa doença não nos atingir, que eu trocarei vossa imagem e construirei uma igreja no Araripe, e logo esse ano começarei vosso festejo na minha casa, até terminar a construção da igreja. Depois da minha morte, o vosso festejo, meu glorioso São João Batista, será continuado de geração em geração”.
Nenhum morte no Exu, e o barão cumpriu sua promessa. Mandou buscar na França a imagem do santo protetor e inaugurou a Igreja de São João Batista do Araripe no dia 23 de junho de 1868, data que permanece gravada em relevo no frontispício da própria igreja.
Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, que nasceu ali pertinho na fazenda Caiçara, gravou a música “Meu Araripe”, composta pelo arcoverdense João Silva especialmente para o centenário da igreja em 1968. Na contracapa do LP São João do Araripe consta o texto de apresentação encomendado por Gonzagão à escritora exuense Thereza Oldam de Alencar: “(…) O povoado do Araripe, tantas vezes cantado pelo Rei do Baião, é o desdobramento da antiga fazenda do Barão de Exu.
Domina-o ainda a casa-grande, de estilo colonial, e a Capela de São João Batista – hoje centenária. Está situado à margem esquerda do Riacho da Brígida, a dois passos da fazenda Caiçara – a primeira da região e berço de Bárbara de Alencar. (…) Luiz Gonzaga nasceu no Araripe e aí ‘sempre’ viveu. Ninguém melhor do que ele preservou as suas tradições e podemos afirmar que Luiz Gonzaga é a encarnação do Araripe, no amor que dedica à sua terra, na exaltação da sua gente.
*Leonardo Salazar é jornalista e produtor cultural