O fundamentalismo religioso é definido como sendo a interpretação literal dos livros sagrados, e a obediência irrestrita aos dogmas religiosos. Tem como característica, a completa reformulação da vida pessoal, social e governamental de acordo com os preceitos religiosos. Tal movimento eclode no início do século XX nos EUA, no chamado Cinturão Bíblico. Porém, no final do século passado, encontramos uma ascensão de movimentos de caráter fundamentalistas, praticamente, em todas as religiões do mundo.
Essa universalização do fundamentalismo no mundo despertou uma série de indagações nos cientistas sociais. Afinal, por quê? Por que no momento em que a humanidade avançou de vento em popa nas ciências, nas mais diversas áreas, o radicalismo religioso avançou?
Uma das crenças básicas mais básicas, surgidas ainda durante o Iluminismo, era que com o paulatino ao avanço do conhecimento científico, tecnológico e filosófico; às crendices, superstições e o fanatismo parariam no baú da história.
O que deu errado nesse meio tempo?
Gilles Kepel chamou esse processo de reavivamento das religiões em suas formas mais sectárias de “ A Revanche de Deus.” E fez algumas considerações extremamente interessantes sobre esse processo. Para ele, diante do caráter global do processo, as explicações devem, também, ser globais. E o que há de comum nesse caso, é a extrema instabilidade social que estamos vivemos na atualidade.
Conseguimos elevar ao máximo a capacidade produtiva da humanidade, fomos das estrelas aos átomos, porém se a ciência e a tecnologia deram saltos, várias questões continuam sem repostas ou soluções, ou até se agravaram.
Vivemos crises nas mais diversas áreas. Na economia o avanço do desemprego pelo mundo, torna incerto o futuro de vários indivíduos e famílias. Além do que, paralelo a isso, há o aumento patente da desigualdade social pelo mundo, inclusive nos países desenvolvidos. Desde o final do século XX, somos incapazes de garantir que a próxima geração terá uma vida melhor do que a nossa. Pondo por terra uma das crenças mais básicas da humanidade, a de que o futuro será sempre melhor.
Além disso, há uma crise ambiental a ameaçar a própria existência humana; desde a falta de água, a destruição da camada de ozônio e o controverso processo de aquecimento global.
Sem falar, principalmente, da erosão dos vínculos sociais, com o avanço do individualismo e do consumismo, que tem como consequência o esgarçamento do tecido social. Estamos nos transformando uma sociedade de indivíduos, onde cada vez mais expressões como, bem comum caem em desuso. A crença em valores sociais cede lugar ao relativismo moral, e a autoindulgência se tornou predominante.
Diante desse quadro não é difícil entender o do avanço do fundamentalismo, já que esses movimentos com seus discursos maniqueístas, do bem contra o mal, simplificam e explicam, a seu modo, um mundo caótico.
Na pregação religiosa, há sempre um plano divino em tudo que está acontecendo a nossa volta. Se o mal existe, é culpa do pecado e de uma entidade maligna que está por trás de tudo. Porém se o fiel persistir na sua fé e obedecer fielmente, e cegamente, os dogmas religiosos ele será recompensado. Se não der para ser em vida, será no paraíso, principalmente se ele tornar-se um defensor, propagador e acima de tudo um guerreiro da religião.
Há também, outro aspecto que tem que ser levado em conta, às religiões oferecem aos indivíduos um senso de comunidade. Recriam relações sociais, como a de proximidade, que estão sendo erodidas pela urbanização e tecnificação da sociedade. Assim o fiel deixa de estar só no mundo, e faz parte de uma comunidade, que o ajudará num mundo tão inóspito. Debray afirmou que a religião não é o ópio do povo, mas sim a vitamina dos fracos!
Também merece destaque, entender que as religiões se tornaram uma forma de atingir uma proeminência social. Indivíduos que não conseguiram uma relevância social por seus méritos acadêmicos, profissionais ou pessoais tem na religião uma forma de projeção na sociedade. Deixam de ser “ninguém” e passarão a ser “alguém”, ostentando os títulos de: diáconos, missionários, pastores e similares. Seres especiais, não meros humanos falidos e falíveis, que possuem uma relação direta com o sagrado, com o divino, e possuirão seguidores que absorverão a sua sabedoria, seus ensinamentos e até as suas determinações, cegamente.
Hoje no Brasil temos a “nossa” bancada evangélica, e há sinais que os católicos estão rearticulando a famosa Liga Eleitoral Católica. Em comum, a tentativa de organizar e tutelar a vida privada e social, tendo como justificativa a defesa da família e dos valores morais. Esses movimentos representam uma ameaça maior a liberdade e a democracia do que, a surreal Ditadura Petralha Bolivariana.
Os indivíduos tem o direito e a liberdade de acreditarem no que quiserem, e de aplicarem na esfera privada as suas crenças. Porém querer impingir os seus valores ao restante da sociedade é inadmissível, mesmo que estejam preocupados com a nossa salvação eterna. O Estado Laico tem que ser preservado e defendido a todo custo, em nenhuma sociedade, em lugar nenhum do mundo, onde se misturou religião e política os resultados foram benefícios. E o próprio Cristo sentenciou: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”
Mário Benning é Mestre em Geografia e Professor do IFPE/Caruaru. Texto postado no blog Caruaru Vermelho.