Opinião – Impeachment é Golpe, ou é o Presente Querendo Repetir o Passado? – Por Prof. José Adilson*

Mário Flávio - 23.03.2015 às 08:25h

A fórmula inventada pelo velho Marx na qual a história se repete como tragédia e como farsa continua válida para a compreensão de certos episódios políticos da recente história brasileira e latino-americana. Parodiar o passado não significa reproduzi-lo tal como ele foi, mas tomá-lo como fonte de inspiração para justificar determinadas ações e projetos no presente, principalmente aqueles que seguem na contramão da soberania nacional, da cidadania e da democracia.

O que assistimos no cenário da política nacional é o espraiamento da sanha golpista de antigos setores reacionários, ampliados por jovens da classe média, jornalistas, alguns líderes religiosos e partidos de direita, cujo ódio ao PT e ao governo de Dilma, fazem-nos irresponsavelmente desrespeitar o jogo democrático, e defender sob o manto da “moral” e da “ética” o impeachment da presidente Dilma.

Ora, até agora não se mostrou nenhuma responsabilidade direta da presidenta nos escândalos da Petrobrás, sequer qualquer citação dos criminosos confessos de que ela sabia de alguma coisa, mesmo sendo todos eles pressionados pelo “rigor’ e “sede” de “justiça” do implacável juiz Sérgio Moro, mediante o dispositivo da chamada delação premiada (quer dizer seletiva, porque esquece propositadamente da era tucana).

Sob a retórica da defesa da ética, esses atores encenam num novo cenário uma peça teatral na qual os golpistas e corruptos de outrora, mudam de lugar e de papéis. Os que lutaram e sofreram da tortura física e psicológica nos porões da ditadura e foram vítimas do exílio, ao combater aquele estado terrorista e defender a volta da democracia, agora são transformados em vilões, corruptos e no câncer da vida pública nacional. Enquanto muitos daqueles que conspiraram e conspiram não somente contra a democracia, mas também contra a ética, a cidadania e a soberania nacional, paradoxalmente, foram alçados a condição de bem feitores e salvadores da pátria. Essa terrível inversão de valores e de perspectivas serve estrategicamente para embaralhar as cartas do jogo, evitando com isso o discernimento dos reais interesses em disputa.

Neste afã para derrubar o governo de Dilma e de impor ao PT a marca de partido corrupto, os paladinos da moralidade e dos bons costumes recortam e contam a história da corrupção somente a partir dos governos petistas, dissimulando alguns fatos ainda bem fresquinhos na mente da maioria, tais como:
– A Privataria tucana,
– O Mensalão tucano,
– o trensalão tucano;
– A Operação Satiagraha;
– A Operação Castelo de Areia;
– Os escândalos do Banespa;
– Os tucanos gordos e gente gordíssima da Rede Globo, Folha de São Paulo, Abril, Jovem Pan, Band, sem falar de alguns jornalistas, presentes na lista de brasileiros com contas no HSBC, na Suíça, para lavar seu dinheirinho suado ou para valorizá-lo através dos juros altíssimos pagos por tais bancos?
– Os tucanos da Lava Jato, inclusive Aécio Neves, que teve seu nome retirado da lista de Janot, embora citado por alguns doleiros.

É claro que ninguém que esteve nas passeatas de hoje sequer fez referência a alguns destes episódios e aos seus responsáveis. E dificilmente fará, pois o problema, isto é, a causa de todos os infortúnios do Brasil é culpa somente do PT e de Lula, Dilma e aliados. Todavia, do lado de cá não podemos nos iludir e fazer vista grossa a questão ética e de corresponsabilidade de alguns petistas e aliados com a corrupção. Há sim, petistas corruptos. Não podemos tapar os olhos diante dos fatos. Mas é inaceitável transformar um partido, cuja história e ações contribuíram enormemente para melhorar a vida de milhões de brasileiros, um partido que ampliou a cidadania e a justiça social no país não pode ser transformado na caricatura do mal, em função do preconceito e do ódio de classe das novas e velhas elites da casa grande.

De fato, o PT deixou de ser um partido de vanguarda e de vestir com firmeza os vestais da ética, ao fazer alianças pragmáticas em nome do poder e da governabilidade. Mas, ao mesmo tempo em que se veem tantos escândalos, vê-se do outro lado um governo que cria mecanismos democráticos para combater a corrupção e mandar pra cadeia corruptos e corruptores. Nada fica engavetado como na era FHC, pois agora a polícia federal, a procuradoria da república e outras instâncias tem total liberdade e transparência para investigar, julgar e punir os crimes, inclusive quando os acusados são membros do próprio governo e do PT.

Trata-se de um governo republicano e democrático, pois respeita a diversidade e a liberdade de expressão, apesar de ser vítima do bombardeio diário da mídia golpista e do ódio de uma classe média medíocre e mal educada, cuja linguagem vocifera as piores formas de desprezo à mulher, ao ser humano e a instituição que ela, a presidenta Dilma, representa. “Dilma: filha da puta” ou “Dilma: vai tomar no c…” são as palavras de ordem mais audíveis e expressivas saídas das bocas dos obreiros da “nova” moralidade pública, a qual tem entre seus maiores representantes, figuras como FHC, Aécio Neves, Álvaro Dias, Agripino Maia, Jair Bolsonaro, Bispo Feliciano, Silas Malafaia, Roberto Freire, ACM Neto, Mendonça Filho, Júlio Delgado, Jarbas Vasconcelos, Arnaldo Jabor, Reinaldo Azevedo, Ricardo Noblat, Merval Pereira, Alexandre Garcia, Diogo Maynard, Miriam Leitão, Olavo de Carvalho e Lobão, entre tantos outros.

As manifestações de ,15 de março de 2015, contra o governo de Dilma parodiam as manifestações do 19 de março de 1964, contra o governo democrático de João Goulart (Jango). Os discursos, as reivindicações e as ações são muito parecidas, apesar dos contextos serem bem diferentes. Naqueles dias sombrios de 64, a história se repetiu na forma de tragédia, ao sequestrar as liberdades e ao institucionalizar a delação “premiada”, o medo e a violência. Mas, se por acaso, ela repetir na segunda vez, será como farsa. O que eu acho que não acontecerá, a despeito da imprevisibilidade histórica. Pois o nosso amadurecimento político e a correlação de forças de hoje conspiram a favor do aprofundamento da democracia com justiça social, e não o contrário.

Tais manifestações passarão e a presidenta ficará no governo para cumprir seu mandato popular. Porém é preciso urgentemente que a presidente, o PT e aliados revejam seu programa e suas ações, sobretudo, no que se refere ao diálogo com as forças progressistas e populares, já que são esses os seus verdadeiros aliados. Recuperar sua confiança e seu apoio evitará as tentativas de golpe.

*José Adilson é Dr. em Sociologia e Professor na UEPB e na FAFICA. Texto postado no Blog Caruaru Vermelho