Opinião – Que futuro nos aguarda? – por Mário Benning*

Mário Flávio - 27.04.2013 às 08:25h

A crença no futuro sempre estimulou, no Ocidente, ao longo dos séculos XIX e XX, a ideia de que no século XXI atingiríamos o ápice dos avanços científicos e sociais que tornariam a sociedade mais moderna, justa e racional. Acreditava-se piamente que, com o contínuo desenvolvimento das novas tecnologias e a universalização do conhecimento, acabariam a fome e as doenças. Bem como inspirariam mudanças drásticas nas relações sociais, provocando uma racionalização da vida social.

Dessa forma, paulatinamente abriríamos mão das superstições, crendices e preconceitos de todos os matizes. Todos esses sem nenhuma base científica, e que tantas mortes e conflitos causaram ao longo da história. A ciência seria o antídoto contra os males da intolerância e do fanatismo.

O futuro chegou, os avanços são inegáveis nas mais diversas áreas do conhecimento, na biotecnologia, nas comunicações e nos transportes. Eles se materializaram e foram até além do que era imaginado, sonhado, cerca de cem anos atrás.

Porém, paralelamente a esses avanços científicos, notamos que recrudescemos nas questões sociais por todo o planeta. Os preconceitos de gênero, de raça e de crenças, aqueles que pensávamos ter superado, voltaram com força total, isso sem falar na precarização das relações de trabalho por todo o mundo. Se, no final do século XX, o motivo dos conflitos era ideológico, agora vemos a cultura e principalmente a religião motivando a eclosão de conflitos e atos terroristas em todo o planeta, como no recente atentado ocorrido em Boston, nos EUA, e o ressurgimento do fascismo.

Nota-se um crescimento do fundamentalismo e, por consequência, da intolerância nas mais diversas regiões do planeta, e não apenas no mundo muçulmano, como pensa a maioria. No Brasil, observamos tanto no catolicismo como nos segmentos evangélicos o crescimento das igrejas e dos movimentos religiosos associados a uma visão conservadora do cristianismo. Abre-se mão de uma interferência crítica na sociedade, como fazia a Teologia da Libertação, para voltar a pregar uma visão acrítica e reacionária da religiosidade. Defende-se veementemente a própria interpretação do divino como a única verdadeira, e frequentemente incita-se o sectarismo religioso e estimulam-se os mais diversos preconceitos em relação às minorias sociais.

Como explicamos tal contrassenso entre a expansão contínua do conhecimento científico e das tecnologias e o retrocesso marcante nas dimensões sociais e políticas? Há uma abordagem nas ciências humanas que procura dar conta dessa realidade, a explicação dominante é que esses avanços tecnológicos não foram utilizados como ferramentas de promoção social, mas sim como instrumentos econômicos que permitiram à economia mundializar-se e aumentar os seus lucros.

Nesse cenário, com os atores econômicos fortalecidos e o paulatino enfraquecimento do Estado e dos trabalhadores, são sacrificados em prol da tão famosa competitividade os direitos trabalhistas arduamente conquistados, e desmantelam-se o Estado de Bem-Estar Social.

Temos uma sociedade na qual o 1% mais rico controla e impõe sua vontade aos 99% restantes com o auxílio do poder político. Vide a recente crise mundial: embora tenha sido causada pela especulação dos bancos, o seu ônus recaiu sobre a população, que teve que arcar com impostos mais altos e a redução dos gastos sociais para socorrer um segmento privado que não ofereceu nenhuma contrapartida.

Se no passado havia a crença de que o futuro seria mais humano, solidário, com os pais acreditando que seus filhos teriam uma vida melhor que as deles, atualmente ocorre o contrário: nós não conseguimos visualizar um futuro melhor, pois pairam sobre a nossa cabeça inúmeras ameaças, desde a ambiental, passando pela econômica e culminando na política.

Nesse contexto de insegurança e crise, as pessoas querem certezas, consolo, querem ser guiadas, aspiram por alguém que tome suas dores e acalme seus medos. O que abre espaço para os movimentos fundamentalistas, sejam eles religiosos ou políticos, como os neofascismo.

A realidade social, tão complexa e com diversos tons e matizes, é resumida por esses movimentos conservadores a certo e errado, preto e branco. Assim eles simplificam a vida, separando a sociedade em mocinhos e bandidos, heróis e vilões. Ao criarem seus grupos, dão aos seus membros um senso de comunidade, de pertencimento a algo, de não estarem sozinhos enfrentando o mundo. Para lidar com o mundo instável e globalizado, procuram estimular características que diferenciam seus membros da sociedade, como a cultura, o comportamento, a etnia, o gênero etc.

Levantando barreiras e destruindo pontes que facilitariam o diálogo com o restante da sociedade, que passa a ser vista como sendo o inimigo e a fonte de todo o mal. Quem não pensa como eles são adversários e estão errados, e tem que ser vencidos. Precisamos urgentemente harmonizar o compasso entre os avanços científicos e o desenvolvimento social, para assim evitarmos a ruptura do tecido social e o esfacelamento da sociedade em guetos antagônicos. Pois o nosso futuro será fruto direto das engrenagens que estamos movendo neste instante.

*Mário Benning é professor e analista político