O blog ouviu dois cientistas políticos e um analista a respeito do segundo ato contra os cortes na educação. Os professores Marconi Aurélio, Vanuccio Pimentel e Marco Aurélio Freire (Asces Unita) comentaram a situação e opinaram sobre os efeitos dessa manifestação e do que pode acontecer com o governo Bolsonaro.
Marconi Aurélio
– Chegando à metade de seu primeiro ano de governo, Bolsonaro enfrenta diferentes níveis e tipos de pressão política. Tanto a nível de relacionamento inter-institucionais, quanto com relação à sua base de apoiadores e, agora, com a perda da popularidade começa a receber pressão da população que não está satisfeita com as pautas prioritárias do governo, tampouco com seu parasitismo em questões que influenciam diretamente sua vida.
Continua a queda de braço e isso vai exigir uma capacidade extra de articulação e negociação, coisa que deveria ter sido o primeiro passo desde o início do mandato.
O mercado, que continuava sendo o mais entusiasta da pauta governamental em questão da sinais de desconfiança sobre a capacidade do governo implementar, de fato, a agenda posta.
Por outro lado, grupos ideológicos ligados a Olavo de Carvalho ou a denominações religiosas tentam manter-se influentes, contrabalançado o aumento da presença institucional e da resistência por parte da ala militar.
Vamos aguardar os próximos acontecimentos que poderão ser decisivos para o futuro do atual governo.
Vanuccio Pimentel
– Eu penso que as mobilizações dos últimos dias (do dia 30 e do dia 26) demonstram que ainda temos um país muito dividido. Que o governo não tenta fazer nenhum esforço para conciliar os interesses dos diversos grupos da sociedade e que não consegue lidar nem com quem apoia o governo e nem com quem faz oposição. Penso que reduzir as manifestações de ontem a eventos meramente partidários é um erro que acirra mais a disputa entre o governo e uma parte da sociedade. Acho que a questão orçamentária é uma realidade que o governo precisa considerar, mas que também necessita ouvir a sociedade e não apenas ouvir quem apoia o governo.
A hora que claramente o país chega em um impasse. O governo não tem como continuar sozinho sem ouvir o resto da sociedade e nem a oposição tem como continuar apenas esperando o governo cair. É preciso urgente a discussão de uma agenda suprapartidária.
Marco Aurélio Freire
– As manifestações em torno da bandeira da educação empunhadas majoritariamente por progressistas e apoiadas por entidades como os partidos de esquerda e sindicatos foram sem dúvida num âmbito menor que as do dia 15 de maio e talvez inclusive das de 26 de maio, a favor do governo Bolsonaro.
Todavia, para além da guerra em torno dos números, quem tem mais partidários (lembra a disputa de torcidas de futebol que vivem a discutir números de participantes nos estádios), há significantes políticos os quais podemos utilizar como pontos de partida para análise.
A oposição a Bolsonaro começou a ensaiar uma saída às ruas, algo que na campanha só se deu em torno do “ele não” e que ainda assim foi engolida pelo Bolsonarismo, que venceu a narrativa incutindo a ideia de que aquelas passeatas continham valores rechaçados pela maioria da população. O resultado foi um crescimento do então candidato Bolsonaro.
Desde 2013 as chamadas esquerdas perderam a hegemonia das ruas e consequentemente estes atos prol educação são a mais recente tentativa de recuperar esse espaço que por décadas (desde Collor) era mais colorido de vermelho que de outras cores.
A conjuntura nacional atual (segundo pesquisas o governo derrete a olhos vistos em apenas 5 meses) parece ter dado fôlego a essas tentativas. Porém, a resposta de Bolsonaro, que não foi totalmente exitosa, tampouco foi um fracasso, revelou que há um núcleo duro de apoio ao chamado Bolsonarismo raiz e que as batalhas pela hegemonia das ruas veio para ficar.
O divisor de águas ou pêndulo (por suas características de moderados no espectro político -os centristas – não confundir com o Centrão) é o que podem fazer com que a balança penda de vez para um dos lados nesta batalha.
A esquerda e os progressistas necessitarão do apoio desse grupo para ampliar a pauta e empoderarem-se diante do desgaste do governo e os Bolsonaristas mais cedo ou mais tarde precisarão do reforço de outros grupos da direita e do centro para ajudar o governo a sair das cordas (caso a tendência de derretimento do apoio público se agravar).
No passado (recente) o antipetismo foi um grande aglutinador para esse campo. No caso das esquerdas, o discurso contra a privatização e as causas sociais ajudavam nas mobilizações.
Como a situação tem mudado, mas o antipetismo ainda parece forte e as causas sociais também estão na pauta do dia dada às necessidades da população, a guerra parece ter fôlego para mais capítulos e dessa forma, aquilo que vemos nas redes sociais estará também nas ruas como plataforma de ação desses grupos e suas narrativas.
Portanto, façam suas apostas. Redes sociais, ruas, parlamento e executivo. Está tudo em aberto. Serão dias de luta. Serão dias de glória? Aí já não sei. A conferir.