Com a morte do Poeta da Fome, o blog reprisa reportagem do livro “Relatos da ditadura em Caruaru – Histórias que os livros não contam”. No texto, a trajetória dele com o PCB.
Por Tâmara Pinheiro – Do livro: Relatos da ditadura em Caruaru – Histórias que os livros não contam
As reuniões do partido comunista em Caruaru eram feitas em lugares variados e secretos – já que o partido encontrava-se na ilegalidade desde 1947 -, geralmente cedidos ou alugados por integrantes do partido ou amigos de tais. O lugar mais frequente a servir de base para as conspirações e assembleias comunistas era a Fazenda dos Cajás, onde hoje se encontra o aeroporto Oscar Laranjeiras.
A fazenda era de propriedade de José Lucas Filho, que não era integrante do partido, mas, segundo fala Severino, era muito amigo dos comunistas. “As reuniões ocorriam no chamado subterrâneo da liberdade. Era um lugar bastante escondido da propriedade, afastado. Lá tínhamos diversas táticas de segurança para fazer as reuniões.
Para driblar a clandestinidade, as reuniões eram marcadas em segredo e repassadas somente para os integrantes do partido”.
Muito cuidado era necessário, a fim de evitar estranhos. As reuniões aconteciam semanalmente, para a sede de Caruaru, e mensalmente, para o balanço estadual, analisar a conduta dos partidários e também para planejar novas atividades. “Todos os dias nós, os integrantes do partido, nos encontrávamos. A gente sempre vivia em contato permanente. Realizávamos as reuniões mensais e semanais quando era possível, afinal nossa condição não era favorável”.
Uma grande manobra era feita para que não fosse descoberto o lugar onde os encontros seriam realizados. Após combinar com os integrantes do PCB, todos se dirigiam para um lugar marcado. Após verificar que todos faziam parte realmente do partido, se dirigiam para um segundo lugar, para depois chegar ao local onde discutiriam as estratégias do partido. As reuniões duravam mais de um dia e geralmente os partidários dormiam no local.
“Levávamos uma esteira, que é mais simples de ser carregada, para não levantar suspeita. Mesmo se a reunião terminasse cedo da noite, dormíamos no local, tomávamos o café da manhã e íamos em¬bora somente à tarde do dia seguinte. Assim, despistávamos a todos”. Para que as reuniões acontecessem, o partido contava com uma mensalidade que era pedida aos integrantes comunistas. Como estas mensalidades não eram obrigatórias, vista a condição financeira de muitos de seus componentes, a ajuda de amigos e simpatizantes era sempre bem-vista.
“Fazíamos piqueniques aos domingos, em Serra Verde e lá conversávamos e discutíamos com a população um mundo melhor”.
AVENIDA SÃO JOSÉ, Nº 192 – Mesmo ainda muito jovem, com apenas 20 anos, o Poeta se destacou no partido pelo debate inteligente e por ser bem relacionado com a juventude. Logo, ficou encarregado da propaganda do partido em Caruaru, passando a receber e divulgar os jornais comunistas como “Folha Operária”, “Voz Operária”, “ Classe Operária” e “Emancipação”, aqueles mesmos jornais que despertaram no simples servente de pedreiro a ligação com os ideais comunistas.
Os jornais chegavam à Caruaru para serem distribuídos por todo o município. “Eu distribuía o “Voz Operária” que vinha do Rio de Janeiro e era mensal. Depois o partido mudou o nome para Novos Rumos, para que assim a mocidade tivesse mais participação, espaço e direito de escrever. O jornal tinha de seis a oito páginas, muito bem timbradinho”, disse.
Quando Severino se filiou ao PCB, quem recebia e distribuía os jornais era o companheiro João Fernandes, conhecido com João Baé. O jornal “Voz Operária” vinha de avião e, por muitas vezes eram apreendidos, o que atrasava sua chegada ao destino final. João Baé foi preso pela polícia, quando estava pegando os jornais na agência dos Correios. Depois de libertado, os dirigentes do partido, em Caruaru, resolveram afastá-lo do cargo, para evitar que João entregasse seus companheiros, caso fosse preso novamente. Com isso, foi sugerido que Severino ocupasse o cargo.
Ele não hesitou em nenhum instante em aceitar o novo posto. Para isso, agora a encomenda que chegava do Rio de Janeiro, estava com novo endereço. Na etiqueta estava escrito: Severino Quirino de Miranda, Avenida São José, nº 192, Caruaru – PE. “Eu chegava aos Correios e perguntava se meus jornais tinham chegado. Recebia o jornal e distribuía primeiro para os militantes, individualmente. Depois distribuía em massa, pelas portas ou pelas ruas. E, quando sobravam muitos, entregava para os funcionários do Curtume São João e da Caruá. Ficava esperando o fim do expediente dos funcionários, geralmente às 17 horas. Quando me encontravam na rua, perguntavam pelo jornal, quando ia chegar um novo número. Isso me enchia de orgulho e me dava mais vontade de seguir com esse trabalho”.
Esse era um trabalho perigoso, mesmo antes do golpe de 1964, já que o partido encontrava-se na ilegalidade. Ser um emissário de ideias comunistas era ser considerado um terrorista, que estava implantando na sociedade, ideais contrários aos bons costumes e à ordem nacional. “Qualquer pessoa que pregasse a liberdade diferente de sua matriz ideológica, foi perseguida, arrastada”, relata o analista político Arnaldo Dantas.