Alckmin e Boulos: mais uma cena do ‘Teatro das Tesouras’ em São Paulo

Mário Flávio - 15.10.2024 às 20:00h

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), outrora um dos principais líderes do PSDB e figura central nas disputas com a esquerda, surpreendeu novamente ao declarar apoio ao candidato do PSOL, Guilherme Boulos, para a prefeitura de São Paulo. Essa aliança inusitada entre um ex-tucano de longa trajetória no centro-direita e um representante da esquerda radical levanta questões sobre o verdadeiro caráter ideológico de Alckmin e do PSDB paulista. O que antes parecia uma oposição feroz entre direita e esquerda agora se revela, para muitos, como parte de um “teatro das tesouras”, em que o antagonismo público disfarça convergências políticas profundas.

Alckmin, que por décadas construiu sua carreira combatendo adversários como o PT e o PSOL, tornou-se vice-presidente na chapa de Lula (PT), líder máximo da esquerda brasileira, numa guinada que muitos já consideraram surpreendente. Sua recente declaração de apoio a Boulos, no entanto, vai ainda mais longe, marcando uma ruptura com o discurso e a imagem que sustentou ao longo de sua trajetória política.

É difícil não relembrar os tempos em que Alckmin, então governador de São Paulo, criticava veementemente partidos como o PSOL. Naquela época, Alckmin e o PSDB eram vistos como baluartes do conservadorismo moderado, defensores da ordem e das reformas liberais, mas sempre vistos com desconfianças por liberais. Contudo, ao apoiar um candidato como Boulos, cuja plataforma é claramente anticapitalista e centrada na defesa da agenda woke, Alckmin parece romper de vez com sua identidade política anterior.

Para aqueles que viam no PSDB uma alternativa à esquerda no cenário político paulista, esse apoio evidencia uma crise de identidade partidária. Já para os que enxergam na política brasileira uma dinâmica de polarização fabricada, onde diferenças ideológicas servem mais ao jogo eleitoral do que a uma verdadeira disputa de ideias, o apoio de Alckmin a Boulos é apenas mais um capítulo do tal “teatro das tesouras”.

Essa tese sugere que, no fundo, as grandes figuras da política, tanto da direita quanto da esquerda, compartilham interesses mais profundos do que as divisões aparentes. O “teatro” seria, portanto, uma encenação para o público, enquanto nos bastidores, alianças estratégicas seriam costuradas com base em interesses pragmáticos, e não em convicções ideológicas genuínas.

Ao declarar apoio a Boulos, Alckmin pode ter revelado que a linha que separa os antigos rivais PSDB e PSOL era mais tênue do que se pensava. O que resta a saber agora é como o eleitorado de São Paulo, especialmente os tucanostradicionais e os progressistas alinhados com Boulos, reagirão a essa aliança inesperada. Afinal, em tempos de polarização, essas movimentações só aumentam a desconfiança e a sensação de que, no cenário político, as ideologias podem ser tão maleáveis quanto as alianças de ocasião. A conferir.