Artigo – O Delegado Lessa e o papel do cristão na política – por Jénerson Alves*

Mário Flávio - 26.09.2016 às 08:34h

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O inteligente texto ‘É necessário que Lessa fale…’, escrito pelo professor Mário Benning e publicado recentemente no Blog do Mário Flávio, lança questionamentos importantes acerca da candidatura do Delegado Lessa (PR) a prefeito de Caruaru. De maneira equilibrada, o articulista aponta haver uma “nebulosidade” que não permite ao eleitor identificar qual modelo de gestão o republicano adotaria, caso eleito – em outras palavras, se Lessa se enquadraria nos moldes da direita ou da esquerda.

Essa dúvida é pertinente. Há um ultraconservadorismo no meio evangélico, apesar de também existir frentes progressistas. Porém, de modo geral, o que tem sido visto, atualmente, é uma participação evangélica na política de forma medíocre, abjeta, viciada e vergonhosa. Portanto, basta saber que candidato A ou B é evangélico para imaginar que ele pode ser “um misto de Bolsonaro e Malafaia”.

Entretanto, antes mesmo da provocação para que falasse, vale ressaltar que Lessa já falou sobre a relação entre o protestante e a política. Em entrevista publicada no mês de março no blog Presentia – voltado ao segmento evangélico –, o delegado discorreu sobre qual é o papel do cristão na política. Na ocasião, ele afirmou que o político evangélico precisa representar toda a sociedade e não se pode fechar no egocentrismo do seu segmento religioso. Quando perguntado sobre o excesso das pautas morais – como o casamento homoafetivo – nos discursos dos políticos evangélicos, o delegado criticou essa postura.

E, valendo-se de indagações para provocar reflexão, proferiu os seguintes questionamentos: “Quais são as posições cristãs quanto à sustentabilidade, à economia, à saúde, à segurança ou à educação? Ora, se não tivermos uma educação de qualidade, como formaremos as próximas gerações, que respeite as diferentes e a qualidade no serviço público?”

Na realidade, a participação cristã no processo político tem pautas que, em certos pontos, dialogam, e, em outros pontos, se distanciam tanto da esquerda quanto da direita. A referência de políticas públicas para o cristão está definida no capítulo 25 do Evangelho de São Mateus, mais precisamente nos versículos 35 e 36. No contexto, Jesus está falando que as nações serão julgadas por Deus de acordo com os seguintes critérios: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão e fostes ver-me”.

Trocando em miúdos, a tarefa do Estado, sob uma ótica cristã, está baseada na eficiência do serviço público. O Estado precisa garantir que o cidadão que tem fome seja suprido com segurança alimentar; que haja acesso a água de qualidade; harmonia; suprimentos básicos (como vestimentas e moradia); saúde e segurança. Imbricado a tudo isso, está a compreensão de uma Educação baseada no pluralismo, no respeito às diferenças, na coletividade e no bem público.

No Pacto de Lausanne (congresso realizado em 1974 na Suíça, no qual igrejas evangélicas do mundo inteiro afirmaram seus posicionamentos sobre princípios e fundamentos de convivência da igreja com o mundo), destaca-se que o dever sócio-político do cristão é em prol da justiça social. Dessa forma, inclusive, adotando uma prática e “uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação”.

Não se pode pensar que todo político evangélico será uma emulação caricata de Marco Feliciano. Basta lembrar do pastor presbiteriano Lysâneas Maciel, deputado federal que teve o mandato cassado durante a ditadura militar por opor-se ao golpe de 1964). Ele mesmo declarava que sua consciência política em prol dos direitos humanos ocorreu mediante sua participação na igreja.

O bispo Robinson Cavalcanti, também cientista político e referência nessa área, entendia que cristãos vocacionados à política devem participar do processo eleitoral. Tanto é que ele próprio se apresentou como postulante a cargos públicos pelo menos por duas vezes – em 1982, candidato a deputado estadual (em oposição ao regime militar) e em 1996, a vice-prefeito de Olinda.

Mais do que uma alternativa de um nome diferente ou de um novo rosto na política de Caruaru, a candidatura do Delegado Lessa pode representar uma nova ótica, com referências, categorias e ideias distintas das que têm sido vistas até então na Capital do Agreste. Ademais, ele mesmo tem declarado que, se eleito, governará com ênfase na participação popular. Contudo, apenas a história dirá se essa alternativa será viável ou não.

Link da entrevista a Presentia: Entrevista Presentia

Link do artigo ‘É necessário que Lessa fale’, de Mário Benning: Artigo Mário /

*Jennerson Alves é jornalista