Apesar do que frequentemente se diz sobre a forte presença da corrupção no cotidiano dos brasileiros, os resultados da 10º edição do Barômetro Global da Corrupção mostram, novamente, que não é bem assim. Foram apenas 11% dos entrevistados no país que relataram pagamento de propina para ter acesso a algum serviço público básico, como atendimento médico, obtenção de vaga em escola ou de alguma licença. Apenas Costa Rica (7%) e Barbados (9%) tiveram taxas inferiores. O resultado do Brasil foi idêntico ao da edição anterior de 2017 (dados coletados em 2016), o que lhe confere mais robustez. Na outra ponta, estão México (34%) e Venezuela (50%).
“A corrupção pode sim estar presente fortemente na vida dos brasileiros, mas é muito mais no que sofrem todos os dias como consequência dos grandes esquemas que drenam recursos e prejudicam a prestação de serviços básicos, como educação e transporte público de qualidade. Em outros países da nossa região, paga-se suborno até para receber uma carta ou para que recolham o lixo de casa. Essa nem de longe é a realidade do brasileiro. Claro que não se pode ficar contente com uma taxa de 11%, pois nos países de menor corrupção do mundo estas taxas aproximam-se de 0. Mas um alerta que o Barômetro novamente traz é que o problema mais grave da corrupção no país está no topo, em grandes esquemas de contratações públicas e processos eleitorais, por exemplo” comenta o diretor-executivo da Transparência Internacional – Brasil, Bruno Brandão.
Outro destaque do Brasil na pesquisa foi a conscientização da sociedade em relação ao problema e sobre seu papel na solução. Para 90% dos entrevistados brasileiros a corrupção é um grande problema no país. Este resultado está acima da média (já alta) da região, que é de 85%. O resultado dos brasileiros também ultrapassa a média para a pergunta sobre seu papel na solução: 82% acreditam que o cidadão comum pode fazer a diferença na luta contra a corrupção, enquanto a média regional é de 77%. O resultado anteriormente coletado no país para esta pergunta, em 2016, era de 83% e foi a taxa mais alta não apenas da região, mas em toda a amostra mundial (77 países).
“O Brasil continua a ser um dos países no mundo com a sociedade mais consciente de seu papel e seu potencial de fazer a diferença na luta contra a corrupção. É um dado importantíssimo, pois o engajamento social é um dos elementos mais importantes para um país enfrentar de maneira sustentável essa questão. Por outro lado, esse forte comprometimento com a pauta anticorrupção traz também riscos, já que pode se tornar campo fértil para soluções populistas e autoritárias, como se estas fossem necessárias para endereçar este grave problema. É fundamental que o país possa canalizar esse potencial transformador da sociedade para a via democrática, que é sempre o caminho mais efetivo contra a corrupção”, alerta Brandão.
O risco de atalhos autoritários faz-se ainda mais claro com a baixa (e declinante) confiança dos brasileiros nas instituições. Os números para a percepção de corrupção nas principais instituições nacionais atingem, nessa 10ª edição do Barômetro, níveis alarmantes – ainda maiores que os observados na pesquisa anterior. Sessenta e três por cento (63%) dos entrevistados avaliam, por exemplo, que todos ou a maioria dos membros do Congresso Nacional é corrupta, contra 57% no estudo de 2017. Esse dado é de 57% para a Presidência da República e sua equipe, de 54% para o funcionalismo federal e de 62% para os funcionários dos governos locais.
Comparados com os representantes do Executivo e do Legislativo, os membros do Judiciário detêm mais confiança da população, mas a percepção de corrupção neste Poder piorou consideravelmente da última pesquisa para a atual, passando de 21% para 34%.
Outro destaque no resultado brasileiro foi a percepção de 36% dos entrevistados de que a maioria dos integrantes de ONGs estão envolvidos com corrupção. Apenas no México a desconfiança sobre as ONGs é superior, de 44%. Guilherme France, coordenador de Pesquisa do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional – Brasil comenta: “É paradoxal que o brasileiro seja um dos que mais acreditam na capacidade de o cidadão fazer a diferença na luta contra a corrupção e, ao mesmo tempo, um dos que menos confiam na sociedade civil organizada. As ONGs desempenham, em qualquer democracia vibrante, um papel fundamental não só no combate à corrupção, realizando, por exemplo, o controle e a fiscalização de gastos públicos, mas também a defesa do meio ambiente e dos Direitos Humanos. Esse resultado sinaliza um ambiente desafiador para a sociedade civil, especialmente no contexto atual de injustificados e repetidos ataques do Presidente da República e de seus filhos contra as ONGs.”
O setor privado tampouco foi poupado. A percepção de corrupção da população entre os executivos de empresas aumentou de 35% a 50%. Este aumento significativo demonstra que os brasileiros estão dando mais atenção ao ‘lado da oferta’ da corrupção e coloca em evidência a lacuna do ordenamento jurídico brasileiro que ainda não criminaliza a corrupção privada.