Uma das votações com maior repercussão no Congresso em 2023 foi a do marco temporal das terras indígenas. Em setembro, por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu invalidar a tese de que as comunidades indígenas só poderiam reivindicar terras que ocupavam no dia em que a Constituição passou a valer, em 5 de outubro de 1988. Em outubro, porém, o Parlamento deu o troco e aprovou a Lei 14.701/2023, definindo que o que vale é que está descrito, literalmente e sem interpretações, no artigo 231 da Constituição: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, confirmando o posicionamento de que os indígenas deveriam comprovar a ocupação de determinada área na data de promulgação da Constituição Federal.
A celeuma prosseguiu, com o veto do presidente Lula à lei aprovada pelo Congresso Nacional. Sob sua prerrogativa, o Parlamento derrubou o veto presidencial, voltando a determinar que valem as terras ocupadas desde 1988. O tema voltou ao Supremo, por meio de duas ações interpostas por PSOL e Rede e por PT e PC do B, respectivamente, e agora aguarda um novo julgamento.
Para Antonio Carlos de Freitas Junior, mestre em Direito Constitucional pela USP, especialista em Direito e Processo Constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP) e sócio da A.C. Freitas Advogados, a discussão do marco temporal no STF deve ser resolvida rapidamente, tendo em vista o julgamento anterior na Corte. “Como o tema foi levado com rapidez ao STF após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso, a expectativa é que seu desenrolar seja igualmente célere, comparado à duração do processo de demarcação”, diz.
Freitas opina ainda sobre o posicionamento esperado da Suprema Corte. Considerando que o relator será o ministro Gilmar Mendes, que votou contra o marco temporal quando Edson Fachin cuidava do processo, o resultado deve ser bem próximo ao anterior. “A tendência é que o julgamento das ações no STF siga o mesmo resultado, ou, no mínimo, seja próximo ao julgamento de setembro de 2023”, avalia.
O racha na base governista (com PSOL e Rede pedindo a derrubada na íntegra do marco temporal, e PT e PC do B querendo apenas a anulação dos trechos vetados por Lula revalidados pelo Congresso), não atrapalha o andamento da questão. “Por mais que sejam diversas na extensão dos pedidos, as ações tratam da mesma questão. Veja-se também que a diferença na extensão das ações é mínima, já que a parte vetada originalmente são todos os principais pontos da Lei nº 14.701/2023. Isto é, no final das contas, os interesses das duas ações são os interesses do próprio governo”, explica
Sobre a queda de braço entre STF e Congresso, ela deve ser acirrada, na visão de Freitas. “De fato, pode haver maior desgaste em comparação com a derrubada de uma lei municipal. Porém, como a Corte já se manifestou previamente sobre o tema, e considerando a atual relação entre STF e Congresso, é mais provável que o STF mantenha o posicionamento anterior, sobretudo porque se trata de questão que não respinga diretamente nos direitos e deveres dos congressistas em si”.