Não basta ser mulher. É necessário ser de esquerda – por Eugênia Lima

Mário Flávio - 04.04.2022 às 16:20h
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Nos últimos anos temos acompanhado uma discreta consolidação da ideia de que as mulheres precisam ocupar a política. Estamos testemunhando pequenas mudanças que podem ser percebidas no cotidiano e que vão desde propagandas do TSE na rádio e na televisão a colunas de opinião nos jornais. É perceptível que candidaturas de mulheres começaram a tomar protagonismo. Pois além de serem obrigados a cumprir com as necessárias cotas eleitorais, os partidos políticos das mais diversas legendas e orientações começaram a investir em quadros femininos. O questionamento que fica é: seria isto suficiente?

É preciso dizer que a noção da importância das mulheres na política não se estabeleceu por acaso. Não se trata de um processo natural ou linear, e sim de um processo político, de idas e vindas, travado muito arduamente pelas que vieram antes de nós. E que só foi possível graças à atuação decisiva de mulheres organizadas de esquerda e da classe trabalhadora. É preciso compreendermos como chegamos até aqui, para não perdermos de vista o que moveu as primeiras mulheres a lutarem pelo direito de fazer política.

Mesmo antes das sufragistas clássicas, em sua maioria brancas, de famílias tradicionais e com acesso à educação, as mulheres trabalhadoras já lutavam por espaço e por direitos dentro da arena política onde a negação de direitos básicos era a regra. Diante da necessidade de sobreviver e de lutar por condições melhores de vida, as trabalhadoras começaram a ocupar o cenário político, se engajando em organizações e partidos políticos de esquerda. Protagonizaram grandes greves, como as das costureiras de 1907 e 1917, aqui no Brasil, a histórica greve geral, também de 1917, na Rússia, ou ainda a greve da fábrica de tabaco em 1857, na Espanha. Exemplos de lutas históricas que foram decisivas para a conquista de direitos e para a inserção definitiva do gênero feminino na arena política.

O nosso espaço na política, portanto, não foi uma concessão, foi uma conquista ocasionada pela necessidade de nos libertarmos da exploração, da violência e da negação de direitos. Entramos para exprimir os nossos próprios interesses, os interesses das mulheres trabalhadoras e de todas as que sonham com uma sociedade realmente igualitária e livre de exploração de gênero, raça e/ou classe social.

Portanto, é preciso combatermos a ideia de que para vencermos as desigualdades impostas entre homens e mulheres basta apenas votar em uma mulher só por esta ser uma mulher. Não basta ser uma mulher se a plataforma política desta defende interesses que nos oprimem. Por isso, é essencial que possamos identificar discursos oportunistas.

Muitos partidos e organizações têm interesse em investir em candidaturas de mulheres não por preocupação com a emancipação feminina, mas por ficarem com a aparência de mais inclusivos. Não podemos nos deixar iludir pelas aparências quando a substância é a mesma que nos apriosiona e nos explora há séculos.

Não basta ser uma mulher. Não basta nem ser feminista, se o feminismo não é pautado pela perspectiva racial e de classe. É preciso ser uma candidatura feminista popular, que entenda a importância da construção de uma sociedade efetivamente livre de opressões para todas as mulheres, do campo à cidade.

Eugênia Lima
Presidenta Psol Olinda e pré-candidata ao senado federal.