No Brasil, comemora-se o Dia do Estudante em 11 de agosto. A data remete à assinatura, pelo imperador Dom Pedro I, de dois importantes decretos referentes à educação, autorizando que fossem criadas a Faculdade de Direito de Olinda (PE) e a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (SP), as duas primeiras instituições de ensino superior do país.
Antes disso, era necessário viajar ao exterior, sobretudo à Europa, para ter acesso a algum curso superior, caminho esse percorrido por intelectuais como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Gonçalves Dias, que se formaram em Direito na Universidade de Coimbra. Mais do que uma data, o momento é propício para levantar reflexões sobre os desafios de ‘ser estudante’ e, principalmente, sobre o que há de podre no reino da educação em nosso país.
Fazendo uma breve observação da realidade nas escolas brasileiras, em artigo publicado na revista Educador (nº 112), a mestre em Educação Gleyds Silva Domingues elenca os quatro modelos mais difundidos atualmente. O primeiro é o tradicional, no qual o aluno deve reproduzir as falas e exercícios do mestre pela via da memorização. O segundo é o escolanovismo, no qual o professor assume o papel de facilitador e o discente ocupa o centro das atenções do fazer docente.
O terceiro é o tecnicismo, no qual a prática pedagógica é voltada para a profissionalização em grande escala. Por fim, o quarto modelo é o histórico-crítico, no qual a formação deve ser crítica, histórica e contestadora da realidade em que os sujeitos vivem e pertencem. Na prática, sabemos que não é possível haver um ‘engessamento’ do modelo pedagógico adotado pela instituição de ensino, pois a interação entre professor e aluno é eivada de inúmeras variáveis.
Mesmo diante de tantas possibilidades contemporâneas, vê-se que a educação tem falhado no propósito de elevar o uso da razão. O doutor em Letras Fausto Zamboni sintetiza bem o contexto hodierno: “é difícil não perceber um problema por trás da educação: muito dinheiro é aplicado, novas técnicas e métodos são aperfeiçoados e inventados, as facilidades de acesso aos livros e outras mídias digitais nunca foram maiores e, não obstante, professores e alunos gastam o tempo em meio a frustrações e indiferença”.
Um relatório publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2018 quantifica um pouco desse problema: entre os anos de 2006 e 2015, a taxa de adolescentes brasileiros de 15 anos que almejam seguir a carreira docente caiu de cerca de 7,5% para apenas 2,4%. O pouco desinteresse é causado, entre outros fatores, pela falta de reconhecimento da profissão. O problema por trás desse fracasso é filosófico, e reside na concepção do ser humano acerca de si mesmo. O materialismo reduziu o homem aos seus aspectos biológicos, a ideologia anulou a personalidade e transformou o indivíduo em um mero militante. Na busca desenfreada pelo ‘ter’, fica pouco espaço para a formação do ‘ser’.
A saída está em olhar para o passado. Grande fortuna encontra-se na obra do mestre Hugo de São Vítor, a exemplo de ‘Da arte de ler’, publicado em 1127, que trata-se do primeiro livro da história voltado diretamente aos alunos. O filósofo medieval oferece dicas aos jovens acerca do estudo, salientando o currículo clássico – formado pelo trívio (gramática, dialética e retórica) e o quatrívio (aritmética, música, geometria e astronomia). Essas disciplinas, chamadas de Artes Liberais, têm uma formação multidisciplinar com a perspectiva do aluno como ser pensante.
Segundo Hugo de São Vítor, o modo de aprender também deve ser considerado pelo estudante, ressaltando que “o começo da disciplina moral é a humildade” (“principoum autem disciplinae humilitas est”), da qual decorrem estes três principais ensinamentos: 1) não reputar de pouco valor nenhuma ciência; 2) não ter vergonha de aprender de qualquer um; e 3) não desprezar os outros depois de ter alcançado o saber. Além da humildade, o pedagogo ainda pontua a importância da dedicação à pesquisa, ou seja, o amor da Sabedoria, para uma verdadeira formação. “Gostaria que os nossos estudantes tivessem uma tal diligência que neles a Sabedoria nunca envelhecesse”, registra.
Somente com humildade para aprender e amor à Sabedoria, os estudantes poderão separar os cascalhos das pepitas e discernir o efêmero do eterno. É desvelando o mundo e buscando a essência do Ser que a educação se consolida, tendo a vida como sentido do ato educativo. Não é no coletivismo atual, marcado pela perversão de símbolos e distorção de valores, que será encontrado este tesouro, mas bebendo nas fontes deixadas a nós pelos gigantes do passado. É como bem reflete a professora Natália Sulman: “O homem moderno se sente uma gota perdida no oceano; o homem antigo sabia que era o oceano em uma gota”.
*Jénerson Alves é jornalista e professor