Opinião – A história esquecida da “esquerda” institucional em Caruaru – por John Silva*

Mário Flávio - 25.10.2014 às 08:57h

Neste domingo é dia de eleição presidencial, eleição esta disputada em segundo turno esse ano, dois nomes distintos, duas trajetórias cheias de dissenso, enfim Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), essa disputa nacional evidentemente mexeu com os ânimos de sujeitos que eram pessoalmente identificados ideologicamente com a esquerda, direita ou centro. A nível local em alguns casos os arranjos de apoio político causam inquietude e espanto em muita gente. Nas últimas semanas a sociedade pernambucana, especialmente a caruaruense pode acompanhar de perto os apoios e arranjos que se formalizaram em Pernambucano nesse segundo turno. Observamos uma parcela de surpresos, e outra parcela que percebendo a plasticidade de nossa cultura política e o verdadeiro “sarapatel ideológico”, natural aos acordões políticos, não mostrou tanta surpresa.

Em nossa cidade causou muito espanto entre trabalhadores, profissionais liberais, educadores, militantes de esquerda, e amantes da boa política e cidadãos em geral o fato dos dois grupos de maior peso político, historicamente tradicionais na cidade, digo os: Lyra – Queiroz e por último o braço auxiliar deste segundo que citei encarnado nos Gomes, identificados no imaginário da cidade com a “esquerda” e sua tradição de lutas junto às camadas menos favorecidas estarem apoiando a eleição de Aécio Neves (PSDB), conceitualmente enquadrado na direita, junto às forças de direita no país. Ouvi muita gente pelas redes sociais, pessoalmente, até mesmo em alguns veículos de comunicação dizer “os Queiroz e os Lyra estão jogando no lixo a sua trajetória de esquerda”.

Existiram também outros apontamentos no sentido de como a população em geral perceberá futuramente nas próximas eleições a movimentação da elite política local, mas não quero me deter a isso, quero chamar atenção para uma outra pergunta: Será mesmo que os Lyra-Queiroz jogam do ponto de vista histórico sua trajetória no lixo? Algumas indagações históricas ajudam a entender a dinâmica local e a estratégia dessas elites.

A primeira delas é de como se deu a montagem institucional dessas forças na cidade até chegar aos dias atuais? Será que esses grupos não procuraram se apropriar de um discurso (eu até diria que algumas práticas) de “esquerda”? Penso que as respostas a essas perguntas confirmariam o que muitos acreditam existir na cidade: uma superficialidade no que tange a “esquerda institucional”. Assim quero chamar esses grupos membros da elite politica local, no quesito ideológico e também em sua estratégia de atuação, destaco que irei me atrelar aos grupos identificados com a “esquerda”, não falarei do fenômeno Tony Gel, já que este é indubitavelmente considerado como de “direita”, na cidade.

Como historiador, me apego às questões temporais, as questões do passado para entender o presente e nesta reflexão que faço, busco entender esses movimentos da “esquerda” de caruaru no presente, para alguns traição, para outros resultado de nossa cultura política, que, aliás, no país de Caruaru é atrasadíssima, diga-se de passagem. Quero assim fazer um rápido panorama histórico da gênese da esquerda caruaruense representada nesses grupos anteriormente citados, vou começar pelos Lyra e depois Queiroz.

A primeira vitória da esquerda em Caruaru, como comumente é aceita está na entronização dos Lyra no poder em 1959, mas particularmente com o êxito eleitoral do na época comerciante e empresário João Lyra Filho, pai do atual governador João Lyra Neto (atualmente no PSB, mas já foi PMDB, PPS, PT) e avô da deputada Raquel Lyra (PSB). João Lyra Filho na época filiado a UDN (União Democrática Nacional), de linha conservadora e oposicionista a Getúlio Vargas, mas as semelhanças com o que podemos chamar de “direita” não param por aí, pouca gente sabe, mas quem lançou João Lyra Filho na política foi Drayton Jayme Nejaim, na época deputado, também da UDN e a maior figura de direita que Caruaru nestes últimos 40 anos pode produzir.

O seu apoio foi sem dúvida crucial para que João Lyra Filho lograsse êxito. É fato que posteriormente ambos colocam fim a aliança inicial. Não bastasse Drayton Nejaim que após o golpe civil militar de 1964 ingressou no ARENA, depois PDS ter lançado no fim da década de 1950 o grupo Lyra, há em observação ter lançado também na política nomes como Fernando Lyra, caberá a estes lançar ao poder o que se consolidará como o grupo Queiroz, e o ano é 1976, e neste ano João Lyra Filho não é mais UDN, agora junto com outros de seu grupo que há alguns anos havia ingressado no MDB, apoiam e lançam como candidato a Prefeitura de Caruaru, José Queiroz de Lima, então bancário, radialista, comerciante e no governo anterior membro da gestão Lyra, havendo feito curso na Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro na condição de assessor de João Lyra Filho. A eleição de 1976 será vencida por Drayton Nejaim, que havia disputado internamente no PDS com Roberto Fontes antes do pleito.

No entanto, José Queiroz só obteria êxito nas questões de sublegenda, não de maioria de votos em Caruaru em 1982, quando com o apoio dos Lyra, agora do MDB desbanca o empresário Adolfo José da Silva, na época candidato pelo PDS 1, lançado por Drayton Nejaim que neste ano se elegerá deputado estadual, foi nesta eleição que tivemos uma terceira candidatura na época, quase não mencionada pela imprensa e pelas pesquisas, trata-se de Luiz Costa pelo PT, uma “singela terceira alternativa política” como disse um amigo meu, que somou 66 votos na cidade.

Por último, queria passar rapidamente sobre o ano de 1988, ano que o atual governador João Lyra Neto, uma camaleão partidário como alguns chamam disputa sua primeira eleição na cidade e apoiado pelo grupo Queiroz vence Tony Gel por diferença de 78 votos. Não posso deixar de mencionar os Gomes o subproduto dessa elite de “esquerda” que serão lançados no ano 2000, e serão derrotados pelo herdeiro de Drayton Nejaim, assim considerado por muitos, mas não pelo próprio Drayton. Vale salientar que Tony Gel vai emergir em um espaço deixado pelo Drayton Nejaim, e com apoio dos Lacerda que desde a década de 1960, prestavam sólido apoio ao grupo chefiado por Drayton Nejaim que sairá da cena politica em 1988, lembro que Tony vai integrar-se a família Lacerda, através de seu casamento com a filha do grande apoiador e amigo de Drayton, o sr. Luiz Lacerda.

Esse ano de 2014, completamos 55 anos da inauguração de experiências de “esquerda” na cidade, iniciadas com a vitória e entronização dos Lyra no poder em 1959, transformando esse grupo na família política mais poderosa do Agreste, uma verdadeira oligarquia que se dá ao direito de lançar outros grupos como os Queiroz e permitir a existência de subprodutos da “esquerda caruaruense” como os Gomes e também permitir “renovação” a sua renovação a partir de seu grupo seleto, ou seu DNA sanguíneo, como já verificamos em um slogan de campanha de um vereador eleito em 2012, “a politica tá no sangue”. É a lógica obsessiva dessas elites a perpetuação no poder e a apropriação dos espaços de poder pelos seus membros, produto disso não é só o vereador citado acima, mas o filho do atual prefeito que conseguiu mandato na cidade graças ao poderio da família em 1992, se elegendo vereador aos 19 anos, atualmente eleito para o quinto mandato de deputado federal.

Essa vitória primitiva da esquerda permitida, assistida e apoiada por forças que no passado representavam o que existia de mais conservador, reacionário e de “direita”, sem deixar de destacar o perfil socioeconômico dessas primeiras lideranças, evidencia que temos uma história esquecida da esquerda de Caruaru, que acaba ilustrando seu nascimento confuso e improvisado, então amigos espantados com o apoio dos grupos de “esquerda” da cidade à Aécio Neves (PSDB), não se espantem. Há coisas que causam mais espanto como, por exemplo, a mitificação simbólica que produziram sob a figura do Mestre Vitalino, que agora tem até Hospital de grande porte inaugurado orgulhosamente por essas lideranças, as mesmas que fazem parte de uma elite local que no passado, em 1963, ano de sua morte negou até a ida de uma ambulância para socorrer o hoje tão aclamado Mestre Vitalino. Existe uma musica de Engenheiros do Hawaii chamada: A Revolta dos Dântis II, um dos refrões da canção destaca bem o que queria dizer desses grupos locais são “dois lados da mesma moeda”. E assim é a dinâmica dos grupos tradicionais de “esquerda” na cidade, que comumente são referendados assim.

Eu penso enquanto cidadão, caruaruense que seria muito mais justo para a elite política local admitir sua vocação de centro, dada sua história, aliás a sociedade brasileira é permeada por uma espécie de “plasticidade politica-ideológica” e vocacionada para tal. Eu concordo com uma colega de profissão que ouvi na rádio outro dia, a profa. Ana Maria Barros que dizia “os políticos de Caruaru tem vocação para o centro, são de centro”.

*John Silva – Professor, historiador, pesquisador vinculado a UFPE, militante político, e líder comunitário, também foi membro do movimento estudantil da FAFICA.