É de sabença a dificuldade do estudo do Direito Eleitoral ante ao próprio subdesenvolvimento de sua principiologia estruturante. Não há um catálogo de princípios estruturantes específicos eleitorais que sejam capazes de conferir à disciplina coerência e unidade.
O arcabouço normativo além de ser resultante de uma legislação esparsa que é constantemente alterada, é inspirada pela concepção paternalista, que parte da ideia de que os cidadãos não possuem capacidade de discernimento, o que tem servido de justificativa para a constante intervenção estatal. O que é contraditório, ante a ideia de democracia como autogoverno, onde os cidadãos deveriam ser tratados como um agente moral e autônomo.
A legislação brasileira é uma das mais extensas e restritivas do mundo. E, como se não bastasse, é objeto de inúmeras reformas carentes de coerência e de sistematização. Como apontou Torquato Jardim, “isso decorre da natureza singular do direito eleitoral em relação aos demais ramos do direito: aquele que edita a norma é seu próprio destinatário” (Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, p. 219-239, jan/jun. p. 222).
O magistério jurisprudencial dos Tribunais Eleitorais é cambiante e muitas vezes, os órgãos alteram entendimentos já sedimentados às vésperas do ano eleitoral, o que termina por ferir de morte a estabilidade do pleito e a segurança jurídica, prejudicando determinados candidatos e agremiações partidárias ante a ausência de previsibilidade das regras do jogo.
O cenário brasileiro é de contumaz apatia da população diante das eleições e diante de uma concepção elitista de democracia, o direito eleitoral brasileiro se organiza de modo a restringir a “temperatura” da política, quando na verdade deveria estimular que os cidadãos promovessem debates acalorados, críticas e a circulação de ideias. É dizer: a efetiva participação.
Lado outro, o atual arcabouço teórico do Direito eleitoral permanece envolto em uma concepção autoritária, sendo a censura um traço persistente da formação cultural brasileira. E não precisa despender grandes esforços para identificar na prática que a censura prévia tem atingido todos os meios de comunicação durante o período eleitoral.
Sem contar que o Código Eleitoral é fruto de um período onde havia contenção das liberdades públicas e da participação política. Ou seja, hoje ainda temos uma legislação que reflete e respira ideias de um período ditatorial, comprometidas não com os ideais da Carta Política de 1988.
Entretanto, é necessário relembrar que é através do processo eleitoral que há a concretização dos direitos políticos fundamentais, desenvolvidos tanto pela capacidade de o cidadão ser candidato, como na possibilidade do direito de voto. O processo eleitoral é um espaço democrático e público de livre manifestação da vontade política coletiva.
É também um instrumento essencial de controle da normalidade e legitimidade das eleições e, portanto, das investiduras político-eletivas. É condição sine qua non de realização de direitos políticos fundamentais como a cidadania e a soberania popular, bem como o do próprio regime democrático.
Por tal razão, o processo eleitoral é objeto de proteção constitucional e legal, o qual deveria ser objeto de um olhar acurado mormente por parte dos cidadãos, afinal é por ele que se perfaz a ocupação consentida de cargos políticos-eletivos e o consequente exercício legítimo do poder estatal. Trata-se de bem jurídico fundamental para a democracia.