Opinião – Em que (realmente) diferem a esquerda e a direita políticas? – Parte 1 – por Por Felipe Cola*

Mário Flávio - 15.02.2023 às 19:47h

No debate político, é comum a referência a dois grupos de ideias – ou de pessoas que as professam –, aos quais usamos chamar esquerda e direita. Sem dúvida, vem-nos facilmente ao pensamento inúmeros exemplos de pessoas consideradas esquerdistas ou direitistas, mas a identificação do critério que as classifica como pertencentes a um ou outro lado do espectro político parece, por vezes, nebulosa. Exatamente por isso, muitos chegam a considerar essa dicotomia ultrapassada ou irrelevante. 

Por vezes, o conceito de direita é associado às ideias de tradicionalismo economia de mercado e o de esquerda às de “progressismo”, políticas sociais regulamentação econômica. Essas associações, porém, acabam se revelando bastante ambíguas, na medida em que não é impossível nos depararmos, na vida política, com governos ao mesmo tempo tradicionalistas em matéria de costumes, cultura e relações sociais e, ao mesmo tempo, intervencionistas no terreno econômico – é o caso de alguns governos do Regime Militar brasileiro (1964-1985). Também pode ocorrer de nos defrontarmos com algum governo considerado “progressista” no campo cultural, mas “liberal” em termos econômicos – pensemos, por exemplo, nos governos conduzidos pelo Partido Trabalhista da Nova Zelândia nos anos 1980. (Não é por outra razão, aliás, que existem vozes, como as dos criadores do Compasso Político, a sugerir que as posições políticas sejam classificadas não  dentro de uma linha horizontal que vai da esquerda à direita, mas segundo um plano cartesiano, com um eixo concernente às posições econômicas e outro às socioculturais: a proposta é, decerto, interessante, mas não necessariamente implica, a nosso ver, a superação da dicotomia esquerda x direita).

Existem também aqueles que, na esteira de Marx e seus descendentes intelectuais, pretendem classificar governos e políticos como esquerda ou direita conforme se alinhem, respectivamente, a interesses da classe trabalhadora ou da burguesia. A nosso ver, porém, esse critério é claramente problemático: afinal, ele parte de uma ideia – a da existência de classes sociais em conflito – que é, em si mesma, integrante de uma corrente política específica – a socialista –, não necessariamente compartilhada pelas demais. E, pertencendo a “luta de classes” a uma das correntes em jogo no debate político, ela é, na verdade, apenas parte de uma das muitas posições a serem classificadas, e não um critério a ser tomado como classificador: com efeito, o fundamento de uma classificação deve ser tal que, elevando-se acima das espécies em confronto, possa identificar claramente o que define cada uma delas. Ademais, fosse mesmo a identificação com a burguesia um traço identificador de direitismo, como explicar que a esquerda jacobina dos tempos da Revolução Francesa estivesse tão próxima dos burgueses da época? (Aqui, decerto, não faltará quem objete que os conceitos de esquerda e direita possam mudar com o tempo: todavia, esse argumento acabaria por ensejar uma espécie de fuga daquilo que realmente importa neste debate, a saber: de uma identificação precisa da essência das posições políticas chamadas de esquerda direita).

Parece-nos, porém, que o problema comum às tentativas usuais de classificação é o mesmo: o de elas se basearem em manifestações externas circunstanciais – e, por isso mesmo, variáveis – das duas grandes visões de mundo que se apresentam em confronto, sem mergulharem em suas essências. Para além de todos os critérios apontados acima ou de outros semelhantes por vezes utilizados, é preciso, a nosso ver, entrar na essência dessas posições políticas para de fato entender – do latim, in + tendere, “tender para dentro” – em que consistem.

Em um próximo artigo, trataremos de um fenômeno ocorrido na história da sociedade ocidental que, a nosso ver, permite uma distinção segura entre os significados de direita e esquerda: a imanentização da escatologia. Até lá!

(*) Felipe Cola é professor de Direito e mestre em Direitos e Garantias Fundamentais.