Na regulação da vida social criamos diversos mecanismos, que funcionam como sistemas de freios e contrapesos que permitem organizar a sociedade. Destacam-se nesse sistema, as instituições sociais, o sistema legal e os chamados valores morais ou éticos, e cada uma dessas partes desempenha uma função.
Às instituições cabe o papel de ordenar e de administrar a vida social, de resolver os impasses e de zelar pela qualidade de vida do cidadão. A escolha dos ocupantes dessas instituições é realizada através das eleições, nas quais os eleitos recebem o direito de governar em nosso nome e de administrar os recursos públicos, em prol da coletividade.
Com o sistema legal, nós sancionamos e regulamos as atividades individuais e coletivas, estabelecendo o que será permitido, como elas irão transcorrer e as punições se as mesmas não forem autorizadas pelas nossas leis. Usamos a expressão legal para afirmar o não desrespeito a nenhuma norma vigente, portanto estamos livres de punição. Já a ética, ou a moral, analisam os valores ou comportamentos socialmente aceitos pela comunidade e que nos permitirão viver harmoniosamente como sociedade.
Todavia há uma enorme diferença entre um fato ser legalmente aceito, mas não ser moralmente, ou eticamente correto, tão antigo esse embate que São Paulo colocou: “Nem tudo que é lícito me convém.” Há cerca de 150 anos, legalmente você podia comprar um ser humano, explorá-lo e até matá-lo, que era permitido, embora nunca tenha sido moralmente aceito. Não é porque um evento está respaldado legalmente que o mesmo passa a estar imune as discussões sobre a moralidade do mesmo.
Nesse momento, em Caruaru, uma discussão vem tomando corpo a respeito do aumento salarial para os ocupantes da próxima legislatura municipal e do chefe do executivo. Legalmente cabe à legislatura que se encerra fixar a remuneração para os próximos quatro anos, entretanto, na hora de fixar suas remunerações, infelizmente nossos representantes não estão olhando para o contexto em que estão inseridos: uma cidade no interior, na mais pobre região do país e onde a maior parte dos moradores mal ganha um salário mínimo. E esquecem, ainda por cima, que em última instância os recursos que eles irão receber e que estão manejando com tanta desenvoltura, são públicos e foram retirados do bolso do contribuinte.
Nesse instante as cidades reclamam da queda dos repasses, com uma seca catastrófica ocorrendo, a máquina é enxugada pela redução dos recursos, desempregando chefes de família, que passarão as festas de fim de ano sabe-se lá em que condições. Propor um reajuste dessa magnitude revela quão desconectados da realidade estão os nossos edis. E não adianta realçar a insignificância do impacto nas contas públicas destacando o reduzido número de beneficiários do aumento, pois o que ocorrerá é a ampliação das distorções, o salário do prefeito será quase 40 vezes superior ao menor salário pago na administração municipal e o dos vereadores, 20 vezes. O que justificaria uma distorção dessa monta, principalmente numa gestão que se diz de esquerda?
Uma câmara que passou os quatro anos alardeando a diferença ética em relação às anteriores, afirmando o salto de qualidade dado e a responsabilidade maior com a coisa pública, no apagar das luzes se equipara a anterior; e infelizmente no imaginário social merecerá receber o dito popular: são todos farinha do mesmo saco. O aumento pode até ser legal, mas não é e nunca será moralmente correto.