Em 1963, um ano antes do golpe civil-militar de 1964, um agente duplo da Marinha e jornalista do Diário da Noite chamado José Nogueira, caiu do apartamento onde morava na atual Rua das Marrecas na Cinelândia.
A polícia chegou no local de imediato, sem ser solicitada. Cometeu diversas “falhas”, como não fazer a ronda para busca de suspeitos e não fazer a perícia o local da queda. Investigadores entraram no quarto-sala no breu, pois a luz da sala estava queimada.
Encontraram no quarto Fernando Moreira, o proprietário do apartamento que estava dormindo. Ao saber da queda do colega, entrou em uma crise nervosa e disse para a polícia que ele costumava se apoiar na sacada da varanda, bebendo whisky. Um dia depois a Polícia Civil, baseada exclusivamente no depoimento do proprietário encerrou o caso como
acidente, uma “simples queda” como consta no registro de ocorrência.
José Nogueira foi levado em coma para o Hospital Souza Aguiar na madrugada do dia 3 de março de 1963 e ficou no local até o final da manhã. O Ministro da Marinha, Pedro Paulo Suzano, amigo de Nogueira, conseguiu sua transferência para o Hospital Central da Marinha. No hospital militar, recebeu uma calafetação geral por gelo (emergir o paciente em uma banheira com gelo) para resolver as hemorragias internas. Conseguiu se curar, mas por conta do frio excessivo, contraiu uma pneumonia.
Após 3 dias, se recuperou da pneumonia, mas acabou falecendo por paralisação nos rins, no dia 13 de março de 1963. Houve uma tentativa de colocar em sigilo sua causa mortis. Não conseguem devido a ilicitude do ato e acabam registrando a morte como traumatismo craniano em sua certidão de óbito.
O caso foi abafado por 4 meses até começar a Comissão Parlamentar de Inquérito do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)-Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), que investigava financiamentos
internacionais ilegais de multinacionais para parlamentares que fizessem oposição à João Goulart.
Durante um dos depoimentos, o jornalista Genival Rabelo afirmou categoricamente que o IBAD assassinou José Nogueira. O caso voltou às manchetes de jornais e a Polícia Civil decide abrir um inquérito.
O jornalista da Tribuna da Imprensa, Zuenir Ventura, dá um depoimento chocante afirmando que morreria, caso revelasse informações que José Nogueira o repassou.
O Serviço Secreto da Marinha e do Exército foram mobilizados para a investigação. O perito da Marinha, Brás Itapaci Magalhães e o perito da Polícia Civil, Manoel Seve Neto, deram entrevistas para o jornal Última Hora desvelando o conteúdo do laudo cadavérico de Nogueira. Familiares e amigos diziam que Nogueira vivia um dos melhores momentos de sua vida, inclusive estava de mudança para Copacabana.
Ele dizia que “não sabia o que fazer com tanto dinheiro”. Com isso, refutaram a hipótese de suicídio. Descartaram a hipótese de acidente, pois o corpo foi lançado a uma distância de 4,10 metros da janela, caindo em posição horizontal do outro lado da rua, passando pela marquise e por um carro de marca Hudson. Seu corpo possuía marcas de cigarro na mão
esquerda, escoriações nas pernas, uma ferradura (deixar marcas vermelhas no corpo após um aperto forte) no braço e hemorragias internas, principalmente nos rins.
A colocação da causa mortis como traumatismo craniano, possivelmente, teria sido feita para aparentar que a morte foi decorrente da queda e como vimos, Nogueira só morre 10 dias por paralisação dos rins
devido as pancadas que recebeu durante a tortura.
Existem diversos suspeitos e causas para esta “queima de arquivo”. Indícios mostram que foi um crime político, com possíveis mandantes e executores. Dentre eles, Joaquim Miguel Vieira Ferreira, o Joaquim Metralha, fundador da Cruzada Brasileira Anticomunista (CBA) e líder da Ordem Suprema dos Mantos Negros, mais conhecida como a “Klu Klux Klan brasileira”.
Nogueira denunciou essa organização terrorista que participou em conjunto com o MAC (Movimento Anticomunista) do metralhamento da sede da UNE (União Nacional dos Estudantes) na praia do Flamengo e de ações contra negros e nordestinos em uma de suas matérias no Diário da Noite, em 1962. Divulgou a foto e o nome de Joaquim, que foi
pessoalmente a redação tirar satisfação com Nogueira.
Carlos Lacerda, governador da Guanabara pela UDN, também é um dos suspeitos. De acordo com o jornalista, Benedito Coutinho de O Jornal, Alfredo Nasser, ministro da Justiça em 1962, colocou em dossiê enviado para o Conselho de Ministros que Lacerda era o chefe do Movimento Anticomunista (MAC) que tinha metralhado a sede da União Nacional dos
Estudantes (UNE), recentemente.
O jornalista Severino de Moura Carneiro do Última Hora revelou em reportagem que a morte de Nogueira se deu a mando de Lacerda, pois o espião teria denunciado um esquema de falsificação de documentos que prejudicaria o então presidente João Goulart. No dia 27 de
novembro de 1962, o Boeing 707-441 da Varig caiu, matando todos os passageiros que saíram do Rio de Janeiro em direção à Lima.
Dentre os passageiros estavam funcionários do governo Fidel Castro. Representantes da polícia da Guanabara estiveram no local, e de acordo com o jornalista, teriam adulterado os documentos que os cubanos levavam com eles, forjando um acordo entre Jango e Fidel, para associá-lo cada vez mais ao comunismo. Lacerda faria um pronunciamento na TV, acompanhado de um manifesto militar de ultimato ao governo. Como
é sabido, Carlos Lacerda foi um dos principais articuladores do golpe de 1964 e José Nogueira pode ter adiado o golpe civil-militar em 1962 com esta denúncia feita para políticos e jornalistas.
José Nogueira é um personagem bem controverso. Para uns um herói, para outros uma espécie de “Cabo Anselmo”. Nasceu em Mundaú, no Ceará em 1934 e o primeiro indício de presença de Nogueira no Rio de Janeiro é de 1952. Seu primeiro emprego foi de repórter no Diário da Noite. No jornal, foi responsável pelas investigações do famoso caso da “imprensa
marrom” quando denunciou jornalistas das Revista Moral e Confidencial por chantagearem pessoas com fotos íntimas tiradas sem suas permissões. Em data indefinida, começou a trabalhar como informante do Serviço de Informações da Marinha (SIM), o serviço secreto desta
Força Armada.

Aproximou-se de Carlos Penna Botto, chefe da Cruzada Brasileira Anticomunista (CBAC) e Joaquim Metralha que o apresentaram diversos órgãos anticomunistas. Nogueira virou redator-chefe do Tribuna de Notícias, tabloide da CBAC e participou de reuniões do Movimento
Anticomunista (MAC), IBAD e Ordem Suprema dos Mantos Negros, a “Klu Klux Klan brasileira”. Ao perceber as intenções terroristas dessas instituições passou a repassar informações sigilosas delas para a imprensa e políticos de centro-esquerda. Nogueira foi o principal informante de
Eloy Dutra, deputado federal (PTB-GB) na CPI do IBAD-IPES, em 1963.
Porém, é um erro tratá-lo como um herói, visto que algumas fontes sugerem que por muito tempo era intermediário da propina que o IBAD pagava a jornalistas para escreverem matérias favoráveis à instituição.
Toda esta trama está no livro “Um espião silenciado” (Editora Cepe, 2020) do historiador Raphael Alberti Nóbrega de Oliveira. Mestre em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV-RJ pesquisou o tema por 10 anos sem qualquer tipo de financiamento estatal ou privado. Lançará o E-book em julho de 2020 e assim que a editora tiver permissão governamental para imprimir os livros impressos será disponibilizado para o público.
*Raphael Alberti é Mestre em História e professor da ETI Rubem de Lima Barros, em Cidade Jardim – Caruaru.