O Brasil foi formado a partir de uma tragédia. Ou melhor, considerando os inúmeros absurdos que pontuam a sua História, seria mais justo falar em tragédias.
A invasão europeia em 1500, muitas vezes erroneamente chamada de “descobrimento”, deu início a um processo de violência que saqueou o continente africano e submeteu milhões de pessoas a práticas desumanas de escravização. A escravidão no Brasil é fruto direto desse evento, pois, antes da chegada dos portugueses, não há registros de relações escravistas nas sociedades indígenas que habitavam o território (PINSKY, 2022, p. 12).
Quando os europeus aqui chegaram, não impuseram apenas açoites e genocídios sobre indígenas e povos africanos. Também promoveram um etnocídio, uma tentativa sistemática de destruir culturas e memórias afro e indígenas. Esse esforço para apagar identidades não desapareceu; ele ainda ressoa, sobretudo na educação.
Hoje, ensina-se sobre os deuses gregos e nórdicos, sobre o Império Romano e a Revolução Francesa. Mas pouco se ouve sobre Oyó, Gana, o povo Banto ou os Malês. A ausência de conteúdos que valorizem as histórias africanas e afro-brasileiras é um reflexo direto do eurocentrismo que domina a visão de mundo trazida pelos colonizadores.
A Lei 10.639/03: um avanço tímido e folclorizado
Com a promulgação da Lei 10.639/03, tornou-se obrigatória a inclusão do ensino sobre África e cultura afro-brasileira nas escolas. Essa legislação representa um marco no combate ao racismo e na preservação da memória africana no Brasil. Contudo, sua aplicação deixa a desejar.
Na prática, o ensino étnico-racial costuma ser tratado de forma pontual e quase folclórica, limitado a dois momentos do ano letivo: 13 de maio, em referência à abolição da escravatura, e novembro, quando se celebra o Dia da Consciência Negra. Essa abordagem superficial não é suficiente para superar séculos de apagamento cultural e estruturar uma educação que enfrente o racismo de forma eficaz.
Por um ensino decolonial
A Lei 10.639/03 precisa ser plenamente aplicada como ferramenta de combate ao racismo e superação do eurocentrismo. É essencial enfrentar o etnocídio histórico e adotar uma abordagem decolonial na educação, que valorize e insira as contribuições africanas e afro-brasileiras de maneira sistemática e integrada ao currículo.
Somente assim será possível transformar a escola em um espaço que não apenas ensine, mas também celebre as culturas que ajudaram a construir o Brasil, combatendo o racismo e promovendo uma memória histórica mais justa e plural.
*Marcus Ithallu é estudante de História pela Faculdade de Formação de Professores da Mata Sul e produtor cultural, com trabalhos voltados ao cinema.
