Opinião: O que deve prevalecer nas eleições municipais: os atos legais de propaganda ou os decretos restritivos? – por Maria Luisa Lacerda*

Mário Flávio - 09.07.2020 às 07:57h

A promulgação da Emenda Constitucional nº 107/2020, qual promoveu a alteração do calendário eleitoral para as eleições municipais deste ano, trouxe muitos questionamentos acerca de como ficariam os prazos dos atos que estavam na iminência de se findarem antes da aprovação da PEC e dos que ainda estavam por se vencer.

Exemplo disso são as dúvidas ligadas às alterações dos prazos de desincompatibilização e das condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral. Entretanto, diante da pandemia da COVID-19, eis que surge um novo imbróglio: os atos legais de campanha poderão ser limitados pelos decretos restritivos do ente político local?

De acordo com o parágrafo 3º, inciso VI, do artigo 1º, da Emenda Constitucional nº 107/2020, “os atos de propaganda eleitoral não poderão ser limitados pela legislação municipal ou pela Justiça Eleitoral, salvo se a decisão estiver fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional”.

De pronto, é importante mencionar que a competência para legislar sobre o direito eleitoral é privativa da união. Nesta perspectiva, somente lei federal advinda do Congresso Nacional é que pode promover alterações, supressões ou incrementações na legislação eleitoral. A Emenda Constitucional nada mais fez que referendar a sistemática da competência legislativa estampada na Constituição Federal.

Entretanto, em meio às consequências da pandemia causada pelo novo coronavírus, há de se levar em consideração que todas as esferas políticas (federal, estadual e municipal) não só encontram-se empreendendo esforços hercúleos para a diminuição do contágio, como detêm autonomia para legislar sobre saúde pública, podendo implementar as medidas de isolamento, quarentena, interdição de locomoção, de serviços públicos, atividades essenciais etc. Tal competência, inclusive, foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal em abril deste ano.

Logo, se a partir do dia 27 de setembro, nova data de início da propaganda eleitoral, a qual é consubstanciada de atos como caminhadas, passeatas, carreatas, comícios etc., exista um decreto local que restrinja a realização de eventos de aglomeração, o que deverá prevalecer?

Mesmo diante da competência privativa da união para legislar sobre matéria eleitoral, da leitura da Emenda Constitucional percebe-se que a bússola, tanto do Poder Judiciário como dos gestores públicos, será as orientações e emanações técnicas das autoridades sanitárias locais competentes, as quais serão norteadas pelas condições sanitárias da respectiva região.

Muito embora a propaganda eleitoral tenha como um de seus princípios basilares a liberdade, de modo que os atos de campanha só poderão ser restringidos nas hipóteses legais delineadas, diante do estado de calamidade pública vivenciado, o direito à saúde deve prevalecer.

O salutar é que o bom senso permeie os atos e as decisões acerca da temática, sendo de grande valia que a Justiça Eleitoral, o Ministério Público, os partidos políticos e os gestores públicos, debatam sobre e realidade sanitária local e os índices de contágio do ente político, a fim de que diretrizes sejam criadas e discussões judiciais sejam evitadas.

*Maria Luisa de Medeiros Lacerda. Advogada, pós-graduada em Direito Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral/EJE-TRE-PE. Atualmente Vice-Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PE-Subseção Caruaru.