Opinião – O Radicalismo e a Política – por Mário Benning*

Mário Flávio - 06.03.2014 às 07:25h

Com a queda do Muro de Berlim automaticamente decretou-se a morte das ideologias, teríamos a partir daquele momento tão somente a alternância dos governos e partidos, mas sem nenhuma mudança dramática em suas gestões e realizações. Tal fato era corroborado pela pasteurização da política em nível mundial, e também no Brasil, afinal as ditas siglas de esquerda ou de direita tinham e têm agendas e políticas extremamente similares. Porém, basta apenas um breve olhar nas redes sociais e encontramos sinais que as ideologias continuam mais vivas do que nunca.

A sociedade continua dividida sobre as formas e modelos de gestão existentes, entre o Estado de bem estar social ou Estado mínimo. Infelizmente esse embate ideológico vem ocorrendo fora das searas partidárias, não sendo encampado pelos partidos. Para as nossas agremiações políticas é útil afirmar que as ideologias morreram, pois dessa forma justificam as mirabolantes coligações eleitorais que são montadas, unindo tudo e todos, ou as suas mudanças de siglas tão comuns pelo país. Porém, apesar da fraqueza dos partidos o embate de posições permanece e cada indivíduo é livre para escolher livremente a sua ideologia, de acordo com as suas leituras e a sua trajetória de vida.

E é dessa diversidade de opiniões, tão próprio de uma democracia, que criamos o consenso, e elaboramos políticas que atendam aos mais diversos segmentos sociais. O debate e o enfrentamento nos engradece enquanto sociedade e revitaliza a atividade política. Sendo assim é mais que normal que cada um defenda os seus pontos de vistas, que arregimente a maior quantidade possível de dados para corroborar seus argumentos. Porém nesse contexto existe uma linha muito tênue entre o debate e a discordância e a agressividade e o desrespeito. Confunde-se defender seus argumentos com convicção, veemência ou paixão e ser fanático ou desrespeitoso.

A civilidade é posta de lado, principalmente nas redes sociais. Rotulam-se as pessoas pelos seus credos, estereotipa-se o militante e seu grupo político, como se fosse um crime exercer a liberdade de pensamento, ou pensar diferente. Os insultos mais frequentes nas redes são: esquerda caviar, comunistas sujos ou petralhas para os de esquerda e de reacionários, manifestante coxinha e tucanalha para os de direita. O debate e a discordância fazem parte de uma sociedade democrática, assim como a paixão. Os embates são e devem ser estimulados em qualquer sociedade, não apenas nos anos de eleição. Porém, qualquer observador mais isento notará que os ânimos estão exaltados e o radicalismo tornou-se onipresente no país. Talvez tal comportamento seja fruto da nossa pouca experiência com a democracia, ou da falência da nossa educação, que estimula mais a memorização do que a argumentação.

Confunde-se a discordância com desrespeito e diante da fraqueza dos argumentos apela-se para a agressão gratuita, no mínimo. Agrava esse quadro a ausência de senso crítico, talvez por sermos um país em que a leitura e a interpretação são hábitos desprezados ou vistos como artigos de luxo. Somos crédulos, para não dizer simplórios, e não checamos as origens ou a qualidade daquilo que é postado nas redes sociais ou nos diversos blogs que povoam o mundo virtual. Acreditamos em qualquer sandice que exista na internet, desde que reforce as nossas crenças políticas. Se a informação é verdadeira ou não, é apenas um detalhe.

Comentamos sobre tudo e todos, se dominamos o assunto e suas nuances, é um pequeno detalhe. O Google e a Wikipédia socorrerão qualquer dúvida existente, as áreas de interesse são imensas, porém a profundidade das opiniões se assemelha a um pires. Repetir o senso comum ou o que a maioria pensa, por mais absurdo que seja tornou-se a meta de muitos ativistas, quanto mais “curtidas” se conseguir numa postagem, melhor. Mesmo que as opiniões defendam o indefensável ou afrontem o estado democrático de direito. Há um longo caminho a percorrer, o nosso país tem muito que fazer. Existem problemas seculares que exigirão um debate sério e isento sobre como melhorar a qualidade dos serviços públicos ou a qualidade da representação política.

Porém, para isso não poderemos recorrer ao ódio e o radicalismo. Eles não foram e nunca serão a melhor forma de conduzir esse debate. Eles nunca construíram uma sociedade melhor em lugar nenhum do mundo e não podemos achar que nos tornaremos um país mais justo e digno excluindo ou aniquilando aqueles que pensam diferente de nós. Sei que é uma frase batida e repetida a exaustão, a ponto de ser um cliché, mas vale a pena lembrar Voltaire: “ Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo.”

*Mário Benning é professor e analista político.