É perigosa e equivocada a tese de que quem está no governo é mau e quem não está é bom. Afora o erro de qualquer generalização e de qualquer maniqueísmo, a afirmação – muitas vezes recorrente quando das críticas à política – ignora o curso da história e relega o Estado justamente às elites conservadoras e corruptas que se pretende combater.
Explica-se: a trajetória esquerda no mundo tem sido marcada pela disputa contra a privatização do poder político na mão de minorias econômicas que utilizam as leis e os recursos públicos para seu próprio benefício. Tem sido uma luta em favor da democratização do poder, da propriedade, dos direitos.
Por isso, notadamente a partir de meados do século XIX, pessoas e grupos populares do mundo inteiro escolheram disputar o comando do poder institucional, através dos governos e parlamentos. Assim, além de pressionar e reivindicar, quer-se também decidir o destino das políticas públicas. Compreende-se que abrir mão dessa tarefa seria relegar a gestão do Estado ao comando dos setores e políticas combatidos.
Generalizar o desempenho dos governantes, como considerar que todo militante de esquerda ao ingressar na máquina pública está traindo seus ideais, é querer apagar belas páginas de conquistas e vitórias populares advindas da chegada de gente progressista ao Estado. O governo pode ser um caminho de realização de ideais coletivos.
Se é verdade que muitos dos avanços ao longo da história têm a marca de bravas mobilizações do povo organizado nas ruas, outras tantas só foram possíveis por ação de governantes e legisladores, ou porque se soube identificar aliados também entre eles, mesmo em coalizões contraditórias.
A capacidade de conquista dos movimentos sociais é correspondente à sua capacidade de mobilizar e convencer, cidadãos e políticos. É verdade que a estratégia a ser definida deve sempre considerar o contexto em que se insere. Há momentos em que aos movimentos cabe apenas denunciar, enfrentar e resistir. Noutros, abrem-se janelas de oportunidade para avançar, aprovar leis, implementar políticas públicas inclusivas, transformar a cultura política, acumulando forças em prol de bandeiras pontuais e de mudanças sistêmicas.
No atual estágio da luta de classes no mundo, parece ser vigente a tese de disputa do poder estatal, pelo que se deve incentivar que as pessoas de esquerda, movidas por ideais de transformação da sociedade, também contribuam com os partidos e os governos, sem que isso desconsidere a importância de que muitas outras se organizem em movimentos sociais, fazendo-os capazes de representar, de fato, grandes setores da sociedade, tarefa também difícil frente ao alto grau de apatia política existente.
De toda forma, há oportunistas dentro e fora dos governos, dentro e fora dos governos, dos partidos, dos movimentos (e da Academia, das igrejas, da mídia, do Judiciário, dos clubes de futebol, da família, etc.). A rejeição mútua é perigosa porque desconsidera as virtudes e potencialidades que cada uma dessas complexas esferas também possui.
As recentes experiências de democracia participativa no Brasil e no mundo demonstram que quanto mais se aproximam Estado e sociedade, mais se descentraliza o poder, qualificam-se as discussões, diminui-se a corrupção, conscientiza-se cidadãos, avança-se na garantia de direitos.
A solução para o distanciamento entre os interesses do povo e as ações dos governos não é o erguimento de muros entre políticos e cidadãos , mas sim a construção de pontes entre os que veem a política como uma arte a serviço da felicidade coletiva. Que estejam em todo lugar!
*Louise Caroline é Cientista Política e vice-presidente do PT/PE