Opinião – Um negro, homem de Deus e lutador do povo. Por Paulo Naílson*

Mário Flávio - 04.04.2014 às 09:25h

Era um dia como hoje, quatro de abril de 1968. Um pastor Batista que vivia sua fé e expressava sua relação com Deus através de atos no mundo. Sabia combinar sua caminhada cristã e seus sermões com a luta contra o racismo, com o ativismo, contra a guerra e as desigualdades sociais. E num agora vai para Memphis, no Tennessee, para apoiar uma greve de lixeiros.

Eram 1,3 mil funcionários negros do serviço de coleta de lixo que entraram em greve em 1968, em uma ação radical contra o domínio político da cidade pelos brancos. A greve de 65 dias pelo direito a formar um sindicato terminou com, a vitória dos trabalhadores, mas deixou naquela terra o sangue de um guerreiro.

A cidade apresenta ainda um índice geral de pobreza de 24%, cerca de duas vezes a média nacional; 30% dos moradores negros vivem abaixo da linha de pobreza. Mas aconteceram mudanças consideráveis. Memphis nos anos 60 tinha cerca de 40% de moradores negros, hoje conta com mais de 60% de negros. Desde 1991, a cidade só elege prefeitos negros.

A greve começou em fevereiro de 1968 quando dois lixeiros morreram esmagados por um compactador de lixo, ao tentarem se esconder da chuva em um caminhão. A culpa pelo acidente foi atribuída a um defeito no equipamento, mas o incidente inflamou tensões que já existiam há anos, devido a salários baixos, condições de trabalho insatisfatórias e o tratamento racista dos superiores hierárquicos brancos aos seus subordinados negros.

Os lixeiros tinham de recolher latas e recipientes de lixo de todos os tipos e formas, algumas delas tão pesadas que eram precisos dois ou três homens para erguê-las. As latas de lixo serviam de viveiro a vermes, que caíam sobre os trabalhadores, que trabalhavam sem entrevá-lo sem direito a horas extras.

King foi morto em 4 de abril, na varanda de seu quarto no Lorraine Motel, por um disparo de rifle que o atingiu na mandíbula e espinha. James Earl Ray, um presidiário foragido, admitiu a culpa pelo assassinato, e morreu na prisão em 1998. A greve terminou 12 dias depois da morte de King, quando o conselho municipal concedeu o direito de sindicalização aos lixeiros. Eles receberam aumento de salário de 15 centavos de dólar por hora, promoções com base em tempo de serviço e o direito de prestar queixa formal por maus tratos no trabalho.

O pastor batista vivia bem diferente da maioria dos pastores brasileiros de hoje em dia, recebia ameaças de morte, era perseguido pelo FBI e sofria de depressão, além de ter sido preso.
No fim de tarde daquele quatro de abril, na sacada do Lorraine Motel, levou um tiro no pescoço, às 18h01. Morreu uma hora depois, no hospital. O assassino, o branco James Earl Ray, foi preso dois meses depois, mas o crime nunca foi esclarecido.
Um homem como um de nós, que usou o púlpito para falar pregar contra as injustiças de seu tempo, tinha na Bíblia não só a regra de fé, mas também de prática e por do povo, sofrer na própria pele a discriminação, cheio da graça e do conhecimento de Deus, foi às ruas para lutar pelo bem comum.

*Paulo Nailson escreve semanalmente no blog Política de AaZ. No Jornal de Caruaru tem a coluna Cultura e Cidadania e é responsável pelo blog presentiaonline. Atua na Cultura e no meio político.